2008/05/22


São Silvestre como padroeiro dos turistas

Paulista, mais especificamente paulistano, gosta de "correr atrás". São adeptos dessa coisa de que "tem que correr atrás", e os cidadãos desta cidade são requeridos a fazê-lo todo o tempo com relação às menores coisas, e sempre requerem o mesmo de seus iguais. Herança do tempo bondes? Vá saber. Mas por aqui é assim,

"Ou, que horas são?"
"Você é mesmo um inconseqüente, por estar, a estas horas, aí sem saber quais as horas. Você acha que nós temos que fazer tudo por você? Você tem que andar com as próprias pernas, ponteiros e mostradores de sete segmentos. Você é responsável por saber as suas horas. Malditos estrangeiros, querem tudo na mão. Além do mais, isso é lá maneira de se dirigir a alguém?"
"Puxa, olha doutor, pode deixar, já consegui enxergar ali no relógio da estação de trem..."
"Há! Mas essa é boa! Você não sabe que esse relógio é atrasado, desde que suasS engrenagenS foram foi atingidaS por bólidoS disparadoS acidentalmente na revolução de 32? Ele não é um relógio, é um lembrete aos cidadães, ops, perdão, cidadãos (quase falei cidadães, imagine!) do papel que nós esperamos que cada um cumpra em nossa civilização."

Tá bom, não teve graça, e é um exagero absurdo, mas aqui rolam umas coisas assim mesmo, você tem que estar informadíssimo sobre tudo, correr atrás, não é fácil-fácil não.

Outro dia reparei que essa mentalidade existe na própria forma de fazer turismo em São Paulo!...

No Rio de Janeiro, a partir do momento que você desce do ônibus, ou talvez quando o avião já está chegando no aeroporto, você já está passando pela experiência carioca. A cidade invade seus sentidos. Você já está fazendo turismo ao percorrer o caminho de ônibus até seu hotel, e saindo pra comprar uma aspirina na farmácia. Exemplo óbvio do que estou dizendo: o cristo redentor é visível em boa parte da cidade. (Pelo menos na parte que interessa.) É engraçado às vezes, no Rio, quando você pega um ônibus e de repente ele vira em alguma avenida bonita, e você passa ao lado de uma porção de lugares interessante, que vão te distraindo, enquanto ao mesmo tempo acontece algo como os motoristas dos ônibus começarem a bater um racha. Esse misto de beleza paisagística com emoção do perigo até te faz sentir num parque de diversões.

Em Belo Horizonte, talvez por ser uma cidadezinha pequena e irrisória, não sei, quem for na Praça da Liberdade, na Diogo de Vasconcelos, na do Papa e na Sete, já conheceu boa parte da cidade, já passou por boa parte da experiência belorizontina. Quem vai no Palácio das Artes ver uma exposição daquelas que às vezes nem precisa entrar pra ver, já que tem paredes de vidro transparente e no nível da rua, e aí depois sobe a rua da Bahia, desce a Cristóvão Colombo e vai tomar um café no Pátio Savassi, já experimentou bastante da cidade, já conheceu o ar, o jeito. já viu um bom número de pontos turísticos, vai poder dizer que conhece a cidade. Vai passar perto de uma porção de lugares interessantes, fáceis de ir com um pequeno desvio.

Em São Paulo, amigo, você tem que correr atrás... Você tem que saber onde diabos fica o tal restaurante remoto lá que tem um tal sanduíche que é "o certo". E enquanto você não for lá no tal lugar, você não viu nada. Esses lugares são o que há de fundamental pra se conhecer em São Paulo! São o que constituem a experiência paulistana!... Turismo em São Paulo é tipo uma busca aos ovos de páscoa. É como entrar no site da Cartoon Network em busca de ícones escondidos. Não bastassem dificuldades, como lidar com o PÉSSIMO transporte público, salvo apenas pelo metrô... Aliás uma das mais importantes atrações turísticas: O metrô. Recomendo a qualquer visitante pegar o metrô, e andar bastante, mas não precisa sair dele não, tá...

Tem pontos turísticos em São Paulo que você tem que se informar pra visitar, não só porque tem que descobrir como ir (e o como ir inclui saber os horários em que os ônibus efetivamente param no ponto de ônibus perto do local), mas tem que se informar pra saber qual diabos é a graça daquele lugar!...

Não fiquem com a impressão de que acho tudo uma porcaria não, já tenho minha listinha de lugares que freqüento pra tentar me divertir... Já corri atrás.

2008/05/16


O que realmente importa

Acho que já escrevi isso aqui algumas vezes, mas é tão importante que é sempre bom reprisar.

We must make boogie music an essential factor in the life of all. In presenting this song to the world, we must then explain and justify our position by formulating a definition of boogie music and setting forth its main principles in such a way that all may understand instantly that their souls, their lives and every relationship with every other human being in every circumstance depends on boogie music and the right comprehension and right application thereof. --- Canned Heat.


Devemos tornar a música boogie um fator essencial na vida de todos. Ao apresentar esta música para o mundo, devemos então explicar e justificar nossa posição na formulação de uma definição da música boogie e postulando seus princípios fundamentais de tal forma que todos possam compreender instantaneamente que suas almas, suas vidas e todo relacionamento com todo outro ser humano em qualquer circunstância depende da música boogie e da compreensão e aplicação corretas desta. --- Canned Heat.


Sonho de engenheiro

Tive um sonho bizarro. Estava num laboratório trabalhando como técnico de informática. Era um laboratório que trabalhava com umas coisas envolvendo radiação, e organismos altamente infecciosos e letais. Em um momento ia se realizar um experimento em q tinha que sair um grupo de pessoas, e ir pra um outro prédio do lado de fora. Tocou lá o alarme, fui junto, entrando no outro lugar percebi que era muito frio, e voltei pra pegar meu casaco. Voltei, peguei, e nisso lembro de ter tentado aproveitar a estranheza da situação (falhas de segurança freqüentemente acontecem nessas horas assim, "opa, peraí vou voltar pra pegar um negócio", todo mundo com pressa, etc) pra tentar ver algo que me fizesse entender melhor o que se estava pesquisando...

Enfim, saí, a porta do lugar se trancou, cruzei o pequeno pátio gramado (super bucólico!) e fui pro barracão lá, onde as pessoas acompanhavam o experimento por televisores grandes (CRT!!) num daqueles painéis levemente inclinados.

Aí teve um acidente!!... Algo deu errado, e vários dos pesquisadores lá no experimento acabaram sendo infectados / expostos a radiação, sei lá.

Nisso começou a ficar óbvio pra mim que aquele sonho era metade um sonho normal, tipo "realidade alternativa", e metade um filme de ficção científica!!

Porque acontece que havendo o acidente, automaticamente entrou em operação um robô andróide chamado "O JUDICIADOR", responsável por ir atrás de cada um dos pesquisadores afetados pelo acidente, avaliar se eles representam ou não perigo, e MATÁ-LOS!... O Judiciador era interpretado por ninguém menos que Donald Sutherland.

Então ele apareceu. Nós, de fora, estávamos a salvo, mas não podíamos sair enquanto o Judiciador não terminasse seu trabalho. Em algum tempo a imprensa já estava cobrindo os fatos, mostrando ao vivo as execuções dramáticas. A última vítima (ou alvo, dependendo de seu alinhamento político e moral) do Judiciador era interpretada por uma atriz que era meio a Winona Ryder, meio a Sasha Grey. Ela conseguiu fazer alguma coisa, não sei o que, que acabou salvando sua vida. Só que apesar de não ter sido executada de imediato, teria de qualquer forma ficado "jurada de morte" pelo estado, devido a questões legais.


um passo pra trás implica em dois pra frente

"Ô Nicolau, usa Java! Bota aí um Eclipse!... Usa W1mbous CE, me, NT, 2000, XP, Vista... Tira esse TWM, bota um Gnome, KDE, Windowmaker... Porque vc não usa Java????"
"Sai fora, não suporto..."
"Então usa .NET... Ou Delphi, pq vc nunca fez sequer um programa em Delphi? Ooopa, vc usa o que?? EMACS? Eeeeca!..."
"Cara, eu gosto mais é de programar em C++, às vezes Prolog..."
"Prolog? Isso é muito velho, vc vive no passado. Retrógrado."
"É bem mania de programador de Prolog, fazer backtracking. Antigamente as coisas eram feitas para durar, cara... E pra funcionarem direito. E elas ainda duram e funcionam..."


Apologia às não-linearidades e realimentações positivas

O mundo, o universo, as pessoas, a sociedade, a natureza, são todos grandes foguetes desgovernados, empurrados por um potente e errático motor nuclear. Um pêndulo invertido que segue uma trajetória caótica, sem jamais cair. Mas a lentidão do processo todo é ilusória.

De central importância na natureza são processos de realimentação positivos. Os negativos também estão lá, são fáceis de estudar, úteis pras atividades mais corriqueiras de engenharia. Mas se houvessem apenas estes, tudo haveria de convergir para "small-crunches", em todos lugares e o tempo inteiro, e nada sairia mais do lugar. Um universo absolutamente "bem-comportado" entraria logo num estado de letargia completa.

Quando estudamos eletrônica aprendemos a fazer osciladores. A técnica é criar uma realimentação positiva, com uma ligeira não-linearidade que limita o crescimento. São essas realimentações positivas que dão origem a alguma coisa. Crescimentos biológicos, fusões nucleares, fissão nuclear em cadeia... Realimentações positivas onde alguma coisa "explode", sendo segurada apenas por alguma forma de não-linearidade. Apenas com estes mecanismos podemos ter revoluções sociais, evoluções de espécie...

É uma dobradinha vencedora, a realimentação positiva e a limitação não-linear.

Tava hoje tentando enxergar isso numa árvore decídua. Não conheço na verdade o processo de crescimento delas, mas dá pra imaginar algo como: mais folhas capturam mais energia e mais nutrientes, mais folhas crescem, até que uma hora as folhas começam a consumir demais alguma coisa, a árvore 'não dá mais conta", atingindo um certo limite de alguma coisa, e as plantas caem, voltando pra um estado onde dá pra elas nascerem de novo, e daí vai... E em ressonância com as estações do ano... Se não são osciladores são pelo menos filtros não-lineares...

As coisas existem, crescem e produzem interessantes estruturas porque são impulsionadas por alguma energia. São sempre essencialmente átomos/moléculas/células/agentes de um gás aquecido e sob pressão. E não-linearidades permitem que estas entidades grudem uma na outra, girem, se partam... Em todo estudo da ciência é fundamental conhecer quais são estas formas de interação entre os elementos. É daí que sai alguma coisa. São regras minimamente complexas em autômatas celulares que permitem a eles fazerem desenhos fascinantes. Regras muito simples só criam coisas que desaparecem rapidamente, ou que andam de forma muito elementar...

Átomos, moléculas, bolhas, células, pessoas, sociedades e países são todos bastante parecidos: bolhas fervendo numa panela, sendo criadas, crescendo e explodindo. É tudo um grande caldeirão de coisas estranhas grudando umas nas outras. Às vezes mais lento, às vezes mais rápido.

2008/05/14


Aprendi tudo necessário no jardim-de-infância austríaco

Agora essa é boa. Tão tentando provar (e eu tou acreditando muito) que Ludwig Wittgenstein, um dos mais importantes filósofos do século XX, nascido em Viena em 1889, teria sido coleguinha de escola da personalidades política mais crucial, controvertida e louca-furiosa do século XX: Adolf Hitler, nascido esta também em 1889 no norte da Áustria, numa cidade a 60Km de Salzburg. O encontro teria sido influente na vida de ambos, e eles representariam de certa forma a grande dicotomia maniqueísta do século XX. Alguns ainda debatem esta foto, mas conhecendo a cara de peixe-morto do Lud, e a cara de mamãe-eu-vou-chorar do Adô, eu não tenho dúvidas. E por mais que o Lud não seja esse piazinho aí na foto, eles estudaram na mesma escola sim, apesar do Lud estar dois anos na frente. Diga-se de passagem, razão o bastante pra ele ser famosinho na escola, e atrair ressentimento de todos. Quem gosta de um geniozinho?
(Wittgenstein nasceu em 26 de Abril, e Hitler no dia 20.)



Eles teriam 14 e 15 anos nesta época. Alguns debatem, dizendo que eles talvez nunca tenham se encontrando, e que provavelmente nem se lembrariam um do outro quando mais velhos. Duvido muito. 14 anos já é velho o suficiente pra ter um bom conhecimento de todos seus colegas de escola, e para formar uma bela listinha de quais você gosta e não gosta. Duas peças raras como eles sem dúvida tiveram uma porção de encontros desagradáveis. E tendo se encontrado ou não, saber que estiveram tão próximos um do outro é muito interessante.

O que se debate mesmo são umas teorias paranóicas que saíram nesse tal livro The Jew of Linz, explorando a contraposição destas personalidades. São teorias até interessantes, vale a pena dar uma lida, menos porque seja verdade ou não, mas mais porque faz pensar sobre questões fundamentais da mente humana (um pouco como eu considero a astrologia). Duvido muito que o Wit tenha sido espião da Rússia, mas não duvido que tenha "se relacionado" com um certo famoso cientista da computação inglês homossexual que foi a engrenagem central da quebra da Enigma.

2008/05/09


Sobre ciência e capitalismo

Reprodução de um comentário / carta que fiz em resposta a um post-em-um-blog / entrevista-numa-revista. (apriveitando pra conçertar uns erinhos de portuguéz!)
***
Prezado Professor Schwartzman

Gostaria de somar minha humilde voz discente à do professor Shellar. O comentário sobre a física de partículas foi infeliz. Um ponto geral deveria permanecer assim: geral. Especificar uma área de estudos qualquer, tachando seus praticantes de fracassados inúteis, seria de mau gosto mesmo se fosse verdade -- o que está longe de ser.

Existem diversos problemas nesta afirmação. Primeiro, é um absurdo resumir a pesquisa em física de partículas à realização de seus experimentos, alguns deles notoriamente custosos. Existe muito trabalho teórico que precisa ser feito para complementá-los, o que inclui tanto análise de resultados quanto a própria concepção de novos experimentos. Algo similar ocorre, por exemplo, na astronomia, que por vez ou outra também recebe semelhantes críticas injustas. Me espanta o senhor não ter inclusive criticado também esta área, ou mesmo criticado diretamente o estudo de matemática pura.

Como engenheiro eletricista especializado em computação, garanto ao senhor que os trabalhos realizados na área de física de partículas, e outras, estimulam sim o desenvolvimento da própria computação, como foi com a citada criação da WWW. Também podemos mencionar atualmente o projeto de computação distribuída sendo desenvolvido para atender ao LHC. Este e outros projetos por vezes bem menores podem e são freqüentemente aproveitados em outras áreas. E como disse o professor Shellar, esta sinergia não ocorre apenas com a computação.

Este desconhecimento da profundidade e extensão dos estudos tanto em física de partículas quanto em outras áreas deve ser fortemente combatido. Vimos recentemente uma lamentável campanha de difamação do programa espacial brasileiro, por exemplo. Me pergunto até que ponto todas estas críticas pseudo-científicas são apenas levemente influenciadas, se correlacionando com interesses políticos antagônicos, ou se são decorrências diretas, causadas não só com altíssimo índice de correlação linear mas dependência funcional completa e determinística.

Questiono veementemente todo esse desejo em transformar as universidades em produtores de patentes e em consultores de indústrias. Isto não quer dizer que prego algo diametralmente oposto, apoio sim que hajam interações, acoplamentos, correlações e causações mútuas. Mas é errado ter na produção industrial, ou mesmo nesta chamada "produção intelectual" -- lamentável invenção do mundo moderno, transformando o conhecimento em commodity -- um fim prioritário da atividade científica. Descobertas científicas não são sacos de farinha.

O mundo das patentes é recheado de pesquisas fúteis. Numerosas são as patentes que não trazem nada de novo. Isto inclui famosamente a indústria farmacêutica. Esta, aliás, merece nossa atenção aqui primeiro porque é muito comum ver um cientista, quando questionado sobre sua atividade, acabar precisando recorrer à criação de remédios para se justificar a contento. Saúde e longevidade são uma espécie de remédio infalível para justificar qualquer coisa. Se contribui para medicina, então algo é visto como bom, se não contribui, dispensável. Isto é lamentável...

A multi-bilionária indústria farmacêutica raramente produz novos conhecimentos científicos relevantes. A interação da indústria com o meio acadêmico também freqüentemente provoca desastres, como pesquisas fraudulentas e desperdício de recursos, sempre devido ao sentimento do "tudo pela patente". Mais do que isto, patentes são um instrumento extremamente mal-utilizado. Elas devem servir é para proteger o inventor, e permitir que este negocie com as indústrias, mas são utilizadas como instrumento para a apropriação de conhecimentos que poderiam perfeitamente, e deveriam ser tornados públicos. São vários os casos de tecnologias inovadoras que caem vítimas de patentes que as engessam, numa ominosa forma de especulação intelectual.

O verdadeiro espírito científico inclui o desejo em divulgar descobertas da forma mais ampla e rápida o possível. Era o espírito de Santos Dumont, que compartilhava suas descobertas, oposto ao dos controversos estadunidenses Wright que faziam pesquisas secretamente com intuito de "vender" (como se fosse algum tipo de mercadoria produzida como ouro, aço ou soja) conhecimentos aos militares para que estes os convertessem em instrumentos do imperialismo e opressão. Esta é a epítome da contraposição entre o que geralmente ocorre na ciência nossa, e na dos EUA, que ainda hoje se preocupa excessivamente em ajudar às forças armadas daquele país, e a "se dar bem" em geral. Isto se vê até mesmo na usualmente "liberal" Berkeley, que recentemente tem me surpreendido muito ao começar a colecionar decepções minhas -- não que isto tenha relevância ao universo. A correlação deste com minhas opiniões não é "estatisticamente significativa".

Termino citando um famoso parágrafo de Henri Poincaré de que gosto muito, do livro O Valor da Ciência:



La recherche de la vérité doit être le but de notre activité; c'est la seule fin qui soit digne d'elle. Sans doute nous devons d'abord nous efforcer de soulager les souffrances humaines, mais pourquoi? Ne pas souffrir, c'est un idéal négatif et qui serait plus sûrement atteint par l'anéantissement du monde. Si nous voulons de plus en plus affranchir l'homme des soucis matériels, c'est pour qu'il puisse employer sa liberté reconquise à l'étude et à la contemplation de la vérité.

A busca da verdade deve ser o objetivo de nossa atividade; é o único fim digno dela. Não há dúvida de que devemos nos esforçar por aliviar os sofrimentos humanos, mas por quê? Não sofrer é um ideal negativo que seria atingido mais seguramente com o aniquilamento do mundo. Se cada vez mais queremos libertar o homem das preocupações materiais, é para que ele possa empregar no estudo e na contemplação da verdade sua liberdade reconquistada.



Me perdoe se soei agressivo em algum ponto. Careci de tempo para apurar a qualidade desta carta. Pretendo apenas estimular um debate construtivo a respeito destas questões que muito me concernem... O que mais me preocupa é que nesta crise que se está detectando no ensino de disciplinas técnicas no Brasil, tenhamos que passar por esta dificuldade em justificá-las, quando ainda por cima já é tão difícil justificar por exemplo um bom número de disciplinas das ciências humanas, como a história, filosofia e literatura que tanto estimo.


Dedetizado pelo sistema

Outro dia aprendi duas coisas, e vi uma similaridade, talvez devido apenas à simultaneidade.

Lendo sobre o julgamento de Sócrates, aprendi sobre seu papel de espora/mutuca da sociedade. Parece que a palavra grega tinha ambos sentidos... Mutuca é certamente mais engraçado, e interessante por permitir uma alegoria zoológica: Sócrates é o insetinho inconveniente, pinicando o cavalo ou boi da sociedade. O texto abaixo, da Apologia de Platão (seção 30e?) é que traz esta imagem, e explica a função, senão missão que Sócrates clamava ter.

Pois se vocês me matarem, você não vão facilmente encontrar outro cidadão como eu, ligado a esta cidade -- a comparação pode parecer ridícula -- como a um cavalo poderoso e gentil, um pouco desajeitado devido a seu próprio tamanho, e precisando ser incitado pelo ferrão de uma mutuca; assim me parece ter a divindade me unido, sendo eu assim como sou, a esta cidade, para que eu possa instigar vocês, e persuadir e reprovar cada um de vocês, sem lhes dar sossego em momento ou lugar algum.

(tradução colada de pedaços de outras línguas)

Ao mesmo tempo, ando ouvindo com certa freqüência a Nirvana, principalmente o primeiro disco, Bleach. Pra quem não conhece (botei até link pra wikipédia, este é um post dedicado às novas gerações!), o Kurt Cobain fazia umas letras muito malucas. Na música Negative Creep, ele diz:

This is out of our range (x3)
and grown
This is getting to be (x3)
drone!
I'm a negative creep (x3)
and I'm stoned!
I'm a negative creep (x3)
and Iiiaaaarrrgh! (2x)

Não sei se jamais vou descobrir o que podem significar cada palavra e verso das músicas do Kurt, muito menos se ele queria dizer algo específico nelas. Mas uma coisa podemos saber com certeza: a palavra drone significa, entre outras coisas, um "zangão"!...

O zangão, todos devem saber, é o macho da abelha. Ele não tem ferrão, não faz mel, não constrói nada, não fabrica nada, só passa o dia comendo e dormindo, e eventualmente acasalando com a abelha-rainha.

Não consegui descobrir nenhum uso da palavra como alguma gíria bizarra, parece apenas que é frequentemente utilizado pra especificar um "parasita", uma pessoa numa sociedade que só fica rondando por ali, sem fazer nada de útil, sugando recursos, e eventualmente modificando irreversivelmente o status de meninice de outros indivíduos fêmeas.

Será que podemos atribuir ao Kurt esse papel? Talvez essa música fale sobre isso, ele está talvez falando sobre estar ligado à sua cidade desta forma atribuída por uma divindade.

Estas duas visões destes dois grandes heróis como insetos inconvenientes me lembrou imediatamente da idéia de autopoiese, de Maturana e Varela. É um assunto meio complicado, mas é basicamente um sistema que se encontra num estado tal que ele é capaz de replicar esta própria organização em que ele se encontra para tal.

O conceito começou pra ajudar a pensar sobre sistemas biológicos, mas foi facilmente reaproveitado em diversos outros contextos. Um dos livros que os dois escreveram sobre o assunto foi bem na época que tavam rolando uns movimentos socialistas no Chile (época do Allende), teve uma tal invasão numa universidade lá, em que mudaram altas estruturas de poder. Nesse livro o Maturana escreve umas considerações que ele não pôde ser furtar de fazer, sobre transformações sociais e autopoiese... uma coisa que ele escreve é sobre indivíduos que se desligam da sociedade, no processo de causar uma revolução, e ele fala sobre como este indivíduo elimina suas dependências da sociedade, ea sociedade dele (desligam-se as tais autopoieses lá um do outro).

São insetos inconvenientes, saindo do enxame para espetar o mesmo, agora transformado em massa contínua e disforme do lado de fora.

***
Consegui ainda ver o inseto contestador da sociedade agora numa música do CCR, a segunda do segundo disco: Bootleg, Bayou Country. Provavelmente a música mais nasty do mundo, porque faz uma análise fria da psique humana, insinuando haver algo de inerentemente prazeroso em se violar leis, e ainda que seguindo-as, às vezes até se perde a graça.

Chorus:
Bootleg, bootleg;
Bootleg, howl.
Bootleg, bootleg;
Bootleg, howl.

Take you a glass of water
Make it against the law.
See how good the water tastes
When you can’t have any at all.

Chorus

Findin’ a natural woman,
Like honey to a bee.
But you don’t buzz the flower.
When you know the honey’s free.

Chorus

Suzy maybe give you some cherry pie,
But lord, that ain’t no fun.
Better you grab it when she ain’t lookin’
’cause you know you’d rather have it on the run.

Chorus

Pegue um copo d'água
Torne-o contra a lei.
Veja como fica bom o gosto
quando você não pode ter nem uma gota.


A estrofe de interesse é obviamente apenas a segunda, cuja tradução já se torna impeditivamente ridícula. Mas tem tudo a ver com a geração web 2.0, pq fala em BUZZZZ!...

2008/05/08


A boca para estas orelhas

Sempre ouço me dizerem que tudo que escrevo é muito comprido e chato. Eu sei, eu sei... É que nem sempre tenho tempo de fazê-lo mais curto (vocês devem reconhecer que roubei isto da Carta Provençal número XVI de Pascal

Je n'ai fait celle-ci plus longue que parceque je n'ai pas eu le loisir de la faire plus courte

). Também é meio de propósito, porque acredito que blogs tem que ser sim meio "diários". É a parte da invasão de privacidade, importante elemento dos meios de comunicação internéticos (o que pode sim ser evitado, mas por algum motivo louco se tornou algo importante, e eu sigo a onda).

Não tenho intenção de escrever um jornal popular, tanto porque não é a estética que estou buscando, quando porque dá mais trabalho mesmo. Quero que meus textos sejam um pouco como aqueles cadernos de malucos de filmes, tipo o matemático do Proof, e o mocinho do Se7en. De mais a mais, meus temas dificilmente atraem espectadores, não sei quanto a qualidade dos textos modificaria isso... Me daria até mais pena ver textos mais caprichados sendo igualmente ignorados.

De qualquer forma, tantas são as sugestões que estou querendo aceitar o desafio de tentar escrever algo que possa ser lido pela "geração vídeo-clipe". Duvido que faça qualquer diferença na minha vida ou na de outras pessoas, mas vou começar a fazer uns artigos curtos com coisas interessantes sobre as quais até gostaria de escrever prolongadamente, mas não vou. Vou tentar manter um tag com algum nome criativo que ainda não criei. O resultado, aposto, é que ninguém vai entender cossa nenhuma, e vai jogar o produto literário no lixo com mais facilidade, devido à massa diminuta.

***

O que me dá raiva é que muito se fala das novas gerações se entregarem apenas a coisas curtas e superficiais, se comunicarem apenas por curtas mensagens SMS muito pouco elaboradas, ver filmes curtos e ler livros com figuras. Eu tou tentando justamente cultivar um hábito de escrever coisas maiores, mostrando que pode haver literatura "comprida" (não necessariamente profunda) na Internet. Quero contrariar todos que dizem "ah, blogs são uma porcaria, o fim dos tempos. Olha só, são apenas textos curtinhos". O meu não. E não é contrariando de birra não, eu escrevo prolongadamente é porque me dá uma vontade sincera. Eu escrevo pra "tirar de dentro de mim" o conteúdo, e me incomoda se eu não o faço. Mas é claro que se isto incomoda meus vizinhos eu tenho que repensar o hábito.

A vontade de contrariar a estética da "geração vídeo-clipe" tem ainda a ver com minha admiração por coisas do passado... Tem um punhado de escritores dos séculos XVI (olha o xvi aí de novo, ele me persegue) pra frente de quem eu gosto muito, e eu tento fingir que fui "influenciado" por eles.

Eu gosto tanto disso que outro dia estava numa conversa com uma persona non-identificatta, e me perguntaram se eu havia lido algum certo livro moderno, da moda, e eu respondi: Nem... Não leio esses livros modernos assim não, eu sou hum homem do século dezenove... (eu tinha acabado de falar sobre meu gosto por Dostoievski e Nietzsche)

Aí a pessoa, mais jovem, me fala: Nossa, como assim? Eu sou lá do século trinta.

Porra, como alguém tem coragem de falar algo assim pro aquariano de plantão aqui? Tenha dó. Desde então, quando eu falo comigo mesmo, eu me referencio à pessoa como "o Buck Rogers", o homem do século XXV. É bem coisa de jovens delargeanos mesmo, dispensar o passado como algo fútil, ultrapassado, inútil, infértil, estéril. O futuro não, é maravilhoso, industrial, pra-frentex, com sociedades reformadas de acordo com princípios lógicos irrefutáveis... E a guerra é a higiene do mundo, etc. (justiça seja feita, jovens delargeanos de fato, e mais maduros, aprendem a apreciar seus iguais no passado e no futuro)

Vamos ver se consigo me tornar uma boca para estas orelhas!...

***

Als Zarathustra diese Worte gesprochen hatte, sahe er wieder das Volk
an und schwieg. "Da stehen sie", sprach er zu seinem Herzen, "da
lachen sie: sie verstehen mich nicht, ich bin nicht der Mund für diese
Ohren.

Muss man ihnen erst die Ohren zerschlagen, dass sie lernen, mit den
Augen hören. Muss man rasseln gleich Pauken und Busspredigern? Oder
glauben sie nur dem Stammelnden?

Quando Zaratustra pronunciou estas palavras, olhou para o povo novamente, e calou-se. “Ali eles permanecem — lhe disse seu coração. — ficam ali rindo: eles não me compreendem; Eu não sou a boca para estas orelhas.

É preciso que alguém primeiro esmague estas orelhas, para que aprendam a ouvir com os olhos? É preciso atroar à maneira de timbales ou de pregadores de Quaresma? Ou só acreditarão nos entarameladores?


(mais ou menos minha tradução, roubando coisas de uns, e colocando umas palavras engraçadas)

2008/05/06


O SESC é que é anti-eu

Dizem que o SESC está correndo o risco do governo federal "fechar a torneirinha", meter a mão no dinheiro deles. É algo deveras absurdom considerando que o SESC é muito bom, seja lá qual for o destino pra onde o governo que remanejar o tutu. Mas me incomodou profundamente, melhor, me deixou ofendido e ultrajado as afirmações do presidente do SESC no final de sua carta aberta:

Esse patrimônio não pode ser sacrificado no altar de prioridades transitórias, em nome das quais se engendra um prejuízo incalculável ao país.

Tornar a Educação meramente técnica, burocrática e pragmática, dissociando-a do universo simbólico, subjetivo, crítico e criativo, cerne da Ação Cultural, é um evidente retrocesso, fruto de visão flagrantemente obscurantista.
Certo de que compreenderão a gravidade dessa perspectiva, escrevo a vocês, formadores de opinião, representantes de classes, artistas, pensadores, amigos e parceiros do SESC para que se manifestem, pelos meios ao seu alcance, em prol da continuidade de nosso trabalho. Um projeto que, afinal, construímos juntos.


Quer dizer que educação técnica é uma coisa "dissociada do universo subjetivo, crítico e CRIATIVO"?? Todo cientista, físico, programador e engenheiro é um robozão boçal, sem livre-arbítrio, sem coração? Vão pro inferno.

Li outro dia aí, e imagino qu eseja verdade por minha esperiência pessoal, que este país possui uma das maiores proporções de alunos de áreas não-ténicas ("subjetivas") comparado às áreas técnicas. Dizem que estamos em falta de engenheiros. Naõ digo que todos países precisam ser iguais, claro que pode haver uma tendênci ano brasil a se formarem sociólogos e publicitários, mas será que não precisa ter um limite?

A questão é bem que se suspeita estarmos acima do limite. Carecemos de técnicos. Aí o governo quer dar uma mãozinha, e esses patetas vem falar que isso é alguma forma de totalitarismo? Vem falar que o governo incentivar o estudo técnico é nazismo? Nas palavras do meu sociólogo favorito (FHC): "Ooora, tenha paciência!!"

As atividades técnicas exercitam a subjetividade, em especial obrigando as pessoas a encararam coisas que geralmente não são do seu "dia-a-dia" (eu até acho que nas verdadeiras e profundas ciência humanas isto tb é verdade, mas não é nisso que eles consideram que é o ensino subjetivo etc). Atividades técnicas REQUEREM senso crítico, REQUEREM que as pessoas saibam arguemntar sozinhas, criticar injustiças, reconehcer profissionalismo, etc. Criatividade eu nem comento. Um tpecnico sem criatividade é um boçal, mas gente sem criatividade não é exclusividade do meio técnico.

Não sei se o governo está de alguma forma querendo beneficiar APENAS ensino técnico de má qualidade, um conceito absurdo. Posso entender que haja algo a mais nessa história toda que não estou sabendo, mas essa arguemntação que o SESC representa o "ensino humano", e não pode ser prejudicado em benefício de um ensino inumano antagonista é de enojar.

Agora fiquei até com tanta raiva que vou começar a cobrar: Porque o SESC não patrocina umas atividades técniacs lá de vez em quando?

Pode começar com cursos técnicos de iluminação de palco, áudio, administração de bandas de rock, edição de vídeo, produção de cinema, efeitos especiais...


Tenho um símbolo pra vocês interpretarem no seu universo simbólico subjetivo semântico aqui, ó: