2008/05/03


Mails, casts, streams e discos de falecidos

Eu ouço os programas de rádio apresentados pelo Emmanuel Goldstein, o editor da publicação hacker trimestral 2600. Outro dia mandei um e-mail falando de vários assuntos, inclusive perguntando sobre uma música que ele tocou noutro programa (Human Barcoding, do recém-falecido Mikey Dread), e ele acabou lendo!!!

Foi engraçado porque ele leu no programa de rádio que é transmitido normalmente por rádio, e ainda por streaming pela Internet, mas eu mesmo só fui ouvir quando peguei o podcast uns dois dias depois!... (Muito louco isso, pensar em todas diferentes formas com que pessoas acabam contactando umas as outras, às vezes em "tempo real", às vezes bem tardiamente, às vezes com resposta direta, às veze sindireta, às vezes sem... Nesse causo aqui rolou um monte de meios de comunicação diferentes!!!)

Quem quiser ouvir, foi nesse show aqui, lá pros 16 minutos. Era uma carta relativamente grande, e ele leu pra valer, deu até uma interpretada... Achei super legal!! :_)

2008/05/01


Navegação orientada por marcos

A vida é um caos mutante insondável. Tudo é contingente, e as vicissitudes são infindáveis.

A existência física é ainda uma eterna viagem no tempo. Estamos a todo momento efetivamente viajando no tempo, para o futuro. Uma inexorável viagem por um único trajeto e para um único destino, durante a qual continuamente nos perguntamos: "e se tivéssemos virado à esquerda ali atrás?", e "será que essa rua é sem saída?".

Quando morreu o Arthur Clarke senti algo que jamais havia antes, mas aquele poema do Kipling, que ele sabiamente citou e eu fiz questão de traduzir, me ajudou a passar por isso. Me fez ver melhor que às vezes a gente dá mais valor pro que a gente não tem, especulando sobre coisas que pessoas falecidas poderiam ter feito, do que apreciando o que elas fizeram, o que deixaram.

Nietzche, por exemplo, morreu antes de desenvolver direito o conceito de "eterno retorno", do qual eu tenho uma certa interpretação pessoal... Envolve um pouco uma idéia de que as coisas vão mudando, mas tem coisas que vão ser sempre as mesmas, tipo, a história vai se repetir fatalmente. Eu vejo não como uma repetição determinística, inambígua, absoluta e simplória, mas apenas como uma repetição num sistema caótico, que está fadado a se repetir simplesmente porque o número de alternativas é limitado...

Mas o lance é que existem sim coisas que não mudam, além dessas daí. São justamente livros antigos, como os que Nietzche deixou até 1900, e os que Clarke deixou até 2008... E são músicas, quadros, esculturas, e podcasts e seriados de TV.

...No LOST está rolando um lance duma tecnologia lá que permite viajar no tempo, pra isso você precisa ter uma tal "constante", uma coisa que você precisa entrar em contado nos diferentes pontos do espaço-tempo, senão você ENLOUQUECE...

(atenção metaforofóbicos: contem metafolanina)
Só neste momento é que comecei a ver nisso uma bela metáfora da nossa própria viagem no tempo involuntária e unidirecional... Sem umas constantes você fica louco.

Você pode estar num lugar, ir pra outro, ser uma coisa e virar outra. Sofrer todas metamorfoses físicas e mentais, mas o sutil vibrato e batimentos daquele arpeggio levemente distorcido de Born on the Bayou, do Creedence Clearwater Revival, capturado em suas maravilhosas gravações, vai ser sempre o mesmo. Vai tar lá igualzinho, mesmo depois que a sua vida tiver se transformado completamente. Aquele timbre indescritível estará sempre lá pra te embasbacar de novo... (E agora com a pirataria em larga escala pela Internet, com mais certeza ainda.)

Talvez seja sorte a nossa que as melhores coisas da vida (CCR facilmente entre as 10 primeiras) sejam imutáveis. Talvez seja o contrário, a gente gosta delas porque não é trouxa, e escolhe coisas que não se podem perder facilmente... Mas eu acho que não, é sorte mesmo. E sorte que freqüentemente desprezamos, tendo às vezes a ilusão de que estas coisas seriam meros luxos passageiros desprezíveis, e que importante mesmo seriam títulos nobiliárquicos, contratos, promessas, compromissos e outras atrocidades antrópicas.

Da próxima vez que você encontrar um engenheiro eletricista, dê um abraço nele, e agradeça-o entusiasticamente por ter desenvolvido estas técnicas capazes de imortalizar aqueles preciosos sinais produzidos 39 anos atrás, e permitindo-os ainda hoje transformar o planeta todo num infinito, eterno, constante e imutável bayou dionisíaco.

(Um "báyaco"? Bayou cannal??)

Num mundo caótico incerto e desconhecido, nada melhor do que poder dar de novo um repeat numa seqüência de números inteiros. Revisitar um bom sistema determinístico, linear e invariante no tempo...

2008/04/27


Abduzidos pelo sistema

Tou aqui estudando lógica. Já aprendi por exemplo que uma falácia é um raciocínio aparentemente fundamentado na lógica mais rigorosa e inquestionável, mas que “na verdade”, é mentira.

Métodos de dedução lógica clássicos incluem por exemplo o modus ponens, que permite dizer que se a implica em b, ou se b é condição necessária para a, e se verificamos que a é verdadeiro, então podemos deduzir b. Outra regra de inferência lógica famosa é o silogismo, que permite dizer que se um grupo é subgrupo de outro, e se alguém pertence ao subgrupo, então ele também pertence ao grupo maior... São pequenas coisas aparentemente tolas, mas que ajudam a construir o edifício da ciência.

Existem falácias famosas, catalogadas bem como as regras lógicas válidas. Uma falácia muitíssimo comum é, dado uma regra de causação, e verificando-se o conseqüente, tentar daí inferir o antecedente. Por exemplo, suponha por hipótese que “Todos homossexuais gostam de The Smiths. O Daniel gosta de The Smiths. Logo, ele deve ser homossexual.” Ora, isto é uma falácia! É uma afirmação do conseqüente. Afirmar o conseqüente não significa absolutamente nada. Apenas a negação do conseqüente é que permite inferir a negação do antecedente... Mas a recíproca de uma implicação nem sempre é verdadeira. a -> b não significa que b -> a.

Pois bem, o problema é que no nosso dia-a-dia a gente até que faz bastante isso. Existem mecanismos de pensamento humano que cometem estas falácias, e isto nos permite levantar hipóteses que podemos manter “até que se prove o contrário”... É importante tentar fazer esse tipo de coisa
em sistemas de inteligência artificial, é basicamente “dotar o computador de imaginação”. Se vc é daqueles que acham que um computador é todo certinho, incapaz de errar, você nunca ouviu falar em lógicas não-monotonicas!...

Uma lógica não-monotônica é justamente uma lógica em que você pode inferir coisas que eventualmente vai descobrir serem falsas dada mais informação. Ela é diferente da monotônica que seria extremamente “conservadora”, incapaz de eventualmente dizer algo que se poderia descobrir ser falso.

O que estou achando engraçado aqui é que acabei de descobrir que um dos vários filósofos que estudaram a questão foi Charles Peirce. Uma figura estranha. Parece que eram um sujeito bacana sim, mas eu sinto às vezes que é um daqueles pensadores americanos que os próprios gostam de ficar exaltando pra mostrar como que “na colônia” também se pode fazer ciência e filosofia. Praticamente um Irmão Wright da lógica.

O que eu acho engraçado no tratamento que Peirce deu pra questão, ou pelo menos na forma como isto é ensinado por aí, é que me dá uma impressão assim que ele teria tentado formalizar o “pensamento prático anglo-saxão”.

Meu leitores sabem que estou tentando criar uma teoria sobre um certo tipo de cultura que identifico como sendo o pensamento mais comum do povo dos estazunidos, e os saxões em geral. Uma coisa que se ouve muito é que eles são “muito práticos”, não perdem tempo como picuinhas, e preocupações bestas como, por exemplo, lógicas monotônicas. Isto causaria, por exemplo, algo que mencionei noutro artigo: uma necessidade se poder fazer uma análise estatística de dados e poder dizer assim, sem sombra de duvida, que uma certa hipótese É verdadeira... Poder fazer um teste de “significância estatística” e, PÁ, daí poder já ignorar o processo de análise anterior e poder falar numa boa como se fosse uma verdade garantida. Essa mesma vontade louca de poder afirmar conclusões certas e absolutas de análises probabilísticas, o que é um absurdo, me parece estar relacionada com esse desejo que querer dar mais valor e credibilidade a falácias aparentemente inocentes, como a afirmação do conseqüente!...

Peirce até inventou um nome novo pra isso: “abdução”... (Nada mais importante pra tentar dar credibilidade a alguma coisa famosamente rejeitada, od que invetar um nome novo, hein!... Não que eu esteja afirmando que seja isso que está acontecendo... Não necessariamente.) Eu concordo que é interessante, concordo que a mente humana funciona assim, e que nenhum sistema de IA vai muito pra frente sem esse tipo de coisa. Mas por algum motivo, talvez seja até puro preconceito meu, quando leio sobre o assunto pensando em americanos discutindo essa questão, me dá uma impressão de que eles olham isso com outros olhos. De que eles pensam assim: “é perfeitamente aceitável afirmar o conseqüente!...” “Vejam só essa tal lógica monotônica, até onde ela nos levou? Precisamos de mais do que isso!...” “Vamos ser práticos!...”

Sejam práticos amigos!... Divirtam-se! Mas pra lá dos rios Grande, Reno e Danúbio, por favor. Isso, obrigado...