2008/05/24


O monte cumbuca da ilha do enxofre

Em filmes contemporâneos de propaganda estadunidense é muito comum se ouvir descrições emocionantes da batalha na ilha de Iwo Jima, (ou mais antiga e recentemente Iwo To). Fala-se que foi o momento em que os estadunidenses invadiram um “solo sagrado” japonês. Outro dia ouvi alguém falar ainda que o famoso monte Suribachi, com seu formato peculiar, seria considerado pelos japoneses um velho “bastião” das terras japonesas, mitológico atalaia insular, tendo sido vencido pela primeira vez pelo bravo e indômito Tio Sam. Algo como se houvesse ali uma tradição em resistência a invasões, como existe na Rússia com relação a forças vindas do ocidente (batalha do Neva, Napoleão e Hitler).

A importância que se dá para o que representava a ilha Iwo (jima ou to = ilha) só não é superada pela importância que se dá ao ataque a Pearl Harbor. Este retratado como um ataque sorrateiro que atingiu um alvo localizado dentro das fronteiras Estados Unidos da América, uma afronta à soberania do governo do Distrito de Columbia.

Vamos portanto meter o malho: Quanto ao Havaí, é sempre bom lembrar: Ele fica localizado no meião do Pacífico. Sua distância aos EUA, milhares de kilômetros, deve ser tipo metade da distância ao Japão. E existe um grande número de havaianos descendentes de japoneses, quem viu Karatê Kid sabe. Existem também havaianos nativos, filipinos e pessoas de várias outras ascendências... É um caldeirão de culturas!...

O Havaí só se tornou um dos estados unidos depois de um complicado processo: Em 1893 o reinado soberano foi deposto numa ação que envolveu estadunidenses vivendo lá dentro daquelas fronteiras, e rolou uma invasão dos marines por causa de um alegado risco à vida destes cidadãos durante uma crise política. Em 1986 o Havaí virou um "território" dos EUA, e foi apenas lá em 1959 que eles viraram de fato um estado, após um plebiscito meio questionável. Foi na verdade um ato imperialista. Em 1993 Bill Clinton até assinou um controverso "pedido de desculpas" pelo papel dos EUA na derrubada do legítimo governo que havia naquele país. Foi uma anexação de uma nação estrangeira, portanto, não diferente dos casos do Texas e dos estados confederados na dita na "guerra da secessão", que devia se chamar mais era "guerra de junção". (É uma sutil retórica. Um nome implica que tentou-se separar algo "naturalmente junto". O outro, "alternativo", que se tentou e conseguiu juntar duas coisas já separadas.)

Enfim. Foi apenas parte da expansão estadunidense complementada pela pouco conhecida guerra hispano-americana. Só queria dizer que Pearl Harbour não era tão território-americano assim... Não tanto quanto qualquer cidade da região da Nova Inglaterra, por exemplo. O ataque a Pearl Harbour não foi algo como seria o caso de um hipotético ataque a algum dos famosos arranha-céus de uma cidade como, por exemplo, New York City.

***
A história então vai assim: "depois do traiçoeira ataque a Pearl Harbour, uma afronta direta aos EUA por se tratar de seu território, eles foram reagindo, até que um dia chegaram à invasão de Iwo Jima, território sagrado japonês, em que se fincou a bandeira em uma montanha tão lendária quando o monte Fuji."

Porque invadiu-se Iwo Jima?... Se vc olhar no mapa, vai ver que é um ponto bastante estratégico. Quase a meio caminho entre as ilhas Marianas, e o Japão "de verdade". As Marianas foram dominadas pelos EUA antes de Iwo Jima (algumas delas eram posse dos EUA, foram invadidas pelo Japão, e depois retomadas pelos EUA). Isto já havia sido uma excelente vitória estratégica, porque permitia o ataque ao Japão com bombardeiros. Mas Iwo Jima é uma ilha relativamente grande, e tinha/tem um pequeno aeroporto, o que auxiliaria muito no suporte a tropas subindo pelo oceano, e foi basicamente por isso que foi invadida...

Mas além de ser um natural passo estratégico, a ilha Iwo também foi por acaso a primeira das ilhas invadidas pelos EUA durante a WWII que estava em posse do Japão já a muitos anos, bem antes da WWII. OK, era finalmente “território japonês”, mas o quão "japonesa" era mesmo essa ilha?? Será que era tipo Okinawa, onde nasceu o karatê do Sr. Miyagi?...

Vamos dar uma olhada no nome dela pra entender que tipo de lugar se tratava... "Iwo" é "enxofre"! Olha que legal, a velha "Iuodjáima" que os gringos gostam de repetir e repetir chama-se "ilha do enxofre"!... Acho que seria um pouco menos heróico ficar falando "Sulphur island" né?

E o famoso monte Suribachi? Dito uma "sagrada montanha que por anos protegeu o povo japonês de todo tipo de invasores até chegar o mighty american army"? Suribachi é um tipo de cumbuca, utilizada para moer coisas. Uma cumbuca! Engraçado que eu sempre olhei aquele formato peculiar, e pensei nisso também, agora descobri que os nativos concordavam. Era o monte cumbuca da ilha do enxofre.

Compare com o nome do monte Fuji, esse sim um monte "sagrado". Compare com o nome de Tokyo, que até mudou de nome conforme ficou mais importante. E a propósito: diz a Wikipédia que os habitantes da ilha utilizavam a palavra "to" para se referir à ilha, e não "jima" (não sei o quanto isso muda o significado). Os milicos japoneses chegaram lá falando jima, e colou. Isso demonstra como não era um lugar especialmente importante, mas sim "apenas mais uma" cidadezinha do interior, que teve a má-sorte de se tornar estratégica durante a guerra. Hoje parece que os habitantes estão fazendo valer sua preferência.

Não posso falar isso com certeza absoluta, mas eu sinto é que o único povo pra quem aquela montanha possui um status de local sagrado é o povo estadunidense, que inventou pra si mesmo um mito de grande glória militar naquela região.

Importante mesmo do ponto de vista cultural foi o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. Nagasaki talvez ainda mais do que Hiroshima, por se localizar numa região de cidades históricas, bem mais antigas do que Tokyo e outras hoje maiores, e onde se diz que o Japão "nasceu"... Um pouco menos relevante, mas ainda bem mais do que Iwo Jima, é o caso de Okinawa, uma região com fama de ser meio "separada" do resto do Japão (tipo o Rio Grande do Sul pro Brasil e o Texas pros EEUU). Okinawa, além de geográfica e historicamente relevante, foi palco de uma batalha ainda mais sangrenta do que Iwo Jima, e que merece ser muito melhor conhecida. A Batalha do Enxofre só é tão famosa por causa da função que teve na política dos EUA durante a guerra, algo muito bem-retratado no filme Flags of Our Fathers.

Isso não é pra dizer que as mortes das dezenas de milhas de soldados e civis na ilha foi irrelevante comparada com outras. Foram todas lamentáveis e odiosas conseqüências da guerar, sem qualificações. O que quero alertar é que não podemos deixar esses exageros de se falar em "solo sagrado" e "montanha lendária" se espalharem. Isso é invencionice, é o vencedor imperialista tirando onda, é híbris!


Algumas primeiras charadas

OK, estou pegando gosto pela prática. Aqui vão algumas charadas:

aferesada:
No final do segundo tempo, o apito do juiz incomoda a multidão enfurecida. (3-2)

mesoclítica:
O animal arranhou uma letra na mão do menino. (2-1)

novíssima:
Então ostentei-me para o francês discutindo comigo, que demonstrava muito mau-humor e fumava observando a estrutura metálica. (3+1=2 2)


Um enigma do subterrâneo

Eu escrevi o último post sobre charadas porque achava que tinha inventado uma hoje de manhã, mas na verdade não é uma charada daquele tipo ali de baixo não... Portanto aqui vai meu "enigma"!...

Estação Ana Rosa / Livro inglês. (7 e 7 letras)

((Explicando melhor, a resposta é alguma coisa de 7 + 7 letras que é tanto algo representado pela estação Ana Rosa, quanto pelo conceito de um livro inglês...))

(((Preciso inventar um nome pra essas charadas...)))

2008/05/23


O verdadeiro charada brasileiro

Meu avô sempre conta que "no seu tempo" tinha costume de trocar charadas com amigos de um grupo de charadistas formado no Rio em uma livraria, ou coisa que o valha, em algum momento na metade do século passado. Existiam livrinhos de charadas, e as pessoas gostavam de inventar pra propor pros outros, como ocorre com outros tipos de quebra-cabeças. Não sei se foi algo desenvolvido por alguma revista específica, ou se é algo tradicional e antigo, gostaria de descobrir!...

Não é qualquer charada, "o que é o que é", adivinhação ou coisa que o valha. Era um tipo específico de charada, que não sei se tem algum outro nome mais específico, e que não sei quando e onde se desenvolveu, mas funciona da seguinte forma: A pessoa propõe uma frase que envolve duas palavras-chave que devem ser descobertas. É um passatempo similar a outros que envolvem palavras, como palavras-cruzadas, criptogramas, rébus, etc. Um bom charadista acaba conhecendo o mesmo tipo de vocabulário dos praticantes dessas outras artes... O mesmo tipo de palavras manjadas que acabam sendo muito utilizadas porque são escritas de formas convenientes!

Um exemplo de charada:

O exército consegue até desviar um curso natural de água, tamanha é sua capacidade. 2-2

resposta: pode + rio = poderio


Esta é uma charada do tipo novíssima. "Consegue" é "pode", "curso da água" é "rio". Concatenando dá "poderio", que corresponde a "capacidade", e mais do que isso, é um conceito envolvido na frase. O 2-2 é o número de sílabas de cada palavra-chave, uma diquinha...

Charadas podem ser classificadas de acordo com o tipo de restrição impostas entre estas palavras-chave, e como é a resposta. Eu sabia dessas classificações de ouvir meu avô falar. Hoje lembrei disso tudo, e resolvi ver se encontrava na Internet algum grande portal de charadas. Só encontrei UM único site com charadas, esse aqui, por sorte um site bastante completo. Achei também uma resposta de alguém num Yahoo perguntas da vida...

Lá vai então, copiando daquele site ali do Schwalf, a lista da classificações de charadas. Não sei de onde vieram, quem inventou etc, se alguém tiver informação por favor me avise!


  • sincopadas: Existe uma palavra maior, e uma menor obtida pela eliminação de algumas das sílabas da primeira. A dica é o número de sílabas da menor.
  • aferesadas: Duas palavras, a menor é a primeira sem a primeira sílaba.
  • casal ou dupla ou alexandrina: duas palavras de sentidos diferentes, mas que uma é a feminina da outra (ou uma é a masculina da outra, que seria feminina, você entendeu). Exemplo: "Era um objeto precioso aquele instrumento cortante", tesouro/tesoura.
  • novíssimas: Existem duas palavras-chave, e um conceito que é a concatenação delas. O conceito está contido na frase, como as palavras-chave (ou talvez de forma mais implícita). A dica é o número de sílabas de cada palavra.
  • mefistofélicas (nome maravilhoso): São como as novíssimas, mas a primeira sílaba da segunda palavra é a última da primeira, e são unidas por ela.
  • mesoclíticas: A segunda palavra é inserida no meio da primeira para formar o conceito.
  • metamorfoseadas: Uma palavra é a outra com uma letra substituída. A dica é o número de letras, e a posição da trocada. Exemplo: "A disputa mostrou o quanto ele era deselegante." 5(3) briga/brega.

E aí, quem anima de fazer uma lista de discussão de charadas? :)

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Eu tou interessado em saber quem inventou isso tudo, porque é muito bacana, e não conheço nada parecido em outras línguas... Vou até mandar pro Douglas Hofstadter pra ver qq ele acha!

2008/05/22


São Silvestre como padroeiro dos turistas

Paulista, mais especificamente paulistano, gosta de "correr atrás". São adeptos dessa coisa de que "tem que correr atrás", e os cidadãos desta cidade são requeridos a fazê-lo todo o tempo com relação às menores coisas, e sempre requerem o mesmo de seus iguais. Herança do tempo bondes? Vá saber. Mas por aqui é assim,

"Ou, que horas são?"
"Você é mesmo um inconseqüente, por estar, a estas horas, aí sem saber quais as horas. Você acha que nós temos que fazer tudo por você? Você tem que andar com as próprias pernas, ponteiros e mostradores de sete segmentos. Você é responsável por saber as suas horas. Malditos estrangeiros, querem tudo na mão. Além do mais, isso é lá maneira de se dirigir a alguém?"
"Puxa, olha doutor, pode deixar, já consegui enxergar ali no relógio da estação de trem..."
"Há! Mas essa é boa! Você não sabe que esse relógio é atrasado, desde que suasS engrenagenS foram foi atingidaS por bólidoS disparadoS acidentalmente na revolução de 32? Ele não é um relógio, é um lembrete aos cidadães, ops, perdão, cidadãos (quase falei cidadães, imagine!) do papel que nós esperamos que cada um cumpra em nossa civilização."

Tá bom, não teve graça, e é um exagero absurdo, mas aqui rolam umas coisas assim mesmo, você tem que estar informadíssimo sobre tudo, correr atrás, não é fácil-fácil não.

Outro dia reparei que essa mentalidade existe na própria forma de fazer turismo em São Paulo!...

No Rio de Janeiro, a partir do momento que você desce do ônibus, ou talvez quando o avião já está chegando no aeroporto, você já está passando pela experiência carioca. A cidade invade seus sentidos. Você já está fazendo turismo ao percorrer o caminho de ônibus até seu hotel, e saindo pra comprar uma aspirina na farmácia. Exemplo óbvio do que estou dizendo: o cristo redentor é visível em boa parte da cidade. (Pelo menos na parte que interessa.) É engraçado às vezes, no Rio, quando você pega um ônibus e de repente ele vira em alguma avenida bonita, e você passa ao lado de uma porção de lugares interessante, que vão te distraindo, enquanto ao mesmo tempo acontece algo como os motoristas dos ônibus começarem a bater um racha. Esse misto de beleza paisagística com emoção do perigo até te faz sentir num parque de diversões.

Em Belo Horizonte, talvez por ser uma cidadezinha pequena e irrisória, não sei, quem for na Praça da Liberdade, na Diogo de Vasconcelos, na do Papa e na Sete, já conheceu boa parte da cidade, já passou por boa parte da experiência belorizontina. Quem vai no Palácio das Artes ver uma exposição daquelas que às vezes nem precisa entrar pra ver, já que tem paredes de vidro transparente e no nível da rua, e aí depois sobe a rua da Bahia, desce a Cristóvão Colombo e vai tomar um café no Pátio Savassi, já experimentou bastante da cidade, já conheceu o ar, o jeito. já viu um bom número de pontos turísticos, vai poder dizer que conhece a cidade. Vai passar perto de uma porção de lugares interessantes, fáceis de ir com um pequeno desvio.

Em São Paulo, amigo, você tem que correr atrás... Você tem que saber onde diabos fica o tal restaurante remoto lá que tem um tal sanduíche que é "o certo". E enquanto você não for lá no tal lugar, você não viu nada. Esses lugares são o que há de fundamental pra se conhecer em São Paulo! São o que constituem a experiência paulistana!... Turismo em São Paulo é tipo uma busca aos ovos de páscoa. É como entrar no site da Cartoon Network em busca de ícones escondidos. Não bastassem dificuldades, como lidar com o PÉSSIMO transporte público, salvo apenas pelo metrô... Aliás uma das mais importantes atrações turísticas: O metrô. Recomendo a qualquer visitante pegar o metrô, e andar bastante, mas não precisa sair dele não, tá...

Tem pontos turísticos em São Paulo que você tem que se informar pra visitar, não só porque tem que descobrir como ir (e o como ir inclui saber os horários em que os ônibus efetivamente param no ponto de ônibus perto do local), mas tem que se informar pra saber qual diabos é a graça daquele lugar!...

Não fiquem com a impressão de que acho tudo uma porcaria não, já tenho minha listinha de lugares que freqüento pra tentar me divertir... Já corri atrás.