2008/05/09


Dedetizado pelo sistema

Outro dia aprendi duas coisas, e vi uma similaridade, talvez devido apenas à simultaneidade.

Lendo sobre o julgamento de Sócrates, aprendi sobre seu papel de espora/mutuca da sociedade. Parece que a palavra grega tinha ambos sentidos... Mutuca é certamente mais engraçado, e interessante por permitir uma alegoria zoológica: Sócrates é o insetinho inconveniente, pinicando o cavalo ou boi da sociedade. O texto abaixo, da Apologia de Platão (seção 30e?) é que traz esta imagem, e explica a função, senão missão que Sócrates clamava ter.

Pois se vocês me matarem, você não vão facilmente encontrar outro cidadão como eu, ligado a esta cidade -- a comparação pode parecer ridícula -- como a um cavalo poderoso e gentil, um pouco desajeitado devido a seu próprio tamanho, e precisando ser incitado pelo ferrão de uma mutuca; assim me parece ter a divindade me unido, sendo eu assim como sou, a esta cidade, para que eu possa instigar vocês, e persuadir e reprovar cada um de vocês, sem lhes dar sossego em momento ou lugar algum.

(tradução colada de pedaços de outras línguas)

Ao mesmo tempo, ando ouvindo com certa freqüência a Nirvana, principalmente o primeiro disco, Bleach. Pra quem não conhece (botei até link pra wikipédia, este é um post dedicado às novas gerações!), o Kurt Cobain fazia umas letras muito malucas. Na música Negative Creep, ele diz:

This is out of our range (x3)
and grown
This is getting to be (x3)
drone!
I'm a negative creep (x3)
and I'm stoned!
I'm a negative creep (x3)
and Iiiaaaarrrgh! (2x)

Não sei se jamais vou descobrir o que podem significar cada palavra e verso das músicas do Kurt, muito menos se ele queria dizer algo específico nelas. Mas uma coisa podemos saber com certeza: a palavra drone significa, entre outras coisas, um "zangão"!...

O zangão, todos devem saber, é o macho da abelha. Ele não tem ferrão, não faz mel, não constrói nada, não fabrica nada, só passa o dia comendo e dormindo, e eventualmente acasalando com a abelha-rainha.

Não consegui descobrir nenhum uso da palavra como alguma gíria bizarra, parece apenas que é frequentemente utilizado pra especificar um "parasita", uma pessoa numa sociedade que só fica rondando por ali, sem fazer nada de útil, sugando recursos, e eventualmente modificando irreversivelmente o status de meninice de outros indivíduos fêmeas.

Será que podemos atribuir ao Kurt esse papel? Talvez essa música fale sobre isso, ele está talvez falando sobre estar ligado à sua cidade desta forma atribuída por uma divindade.

Estas duas visões destes dois grandes heróis como insetos inconvenientes me lembrou imediatamente da idéia de autopoiese, de Maturana e Varela. É um assunto meio complicado, mas é basicamente um sistema que se encontra num estado tal que ele é capaz de replicar esta própria organização em que ele se encontra para tal.

O conceito começou pra ajudar a pensar sobre sistemas biológicos, mas foi facilmente reaproveitado em diversos outros contextos. Um dos livros que os dois escreveram sobre o assunto foi bem na época que tavam rolando uns movimentos socialistas no Chile (época do Allende), teve uma tal invasão numa universidade lá, em que mudaram altas estruturas de poder. Nesse livro o Maturana escreve umas considerações que ele não pôde ser furtar de fazer, sobre transformações sociais e autopoiese... uma coisa que ele escreve é sobre indivíduos que se desligam da sociedade, no processo de causar uma revolução, e ele fala sobre como este indivíduo elimina suas dependências da sociedade, ea sociedade dele (desligam-se as tais autopoieses lá um do outro).

São insetos inconvenientes, saindo do enxame para espetar o mesmo, agora transformado em massa contínua e disforme do lado de fora.

***
Consegui ainda ver o inseto contestador da sociedade agora numa música do CCR, a segunda do segundo disco: Bootleg, Bayou Country. Provavelmente a música mais nasty do mundo, porque faz uma análise fria da psique humana, insinuando haver algo de inerentemente prazeroso em se violar leis, e ainda que seguindo-as, às vezes até se perde a graça.

Chorus:
Bootleg, bootleg;
Bootleg, howl.
Bootleg, bootleg;
Bootleg, howl.

Take you a glass of water
Make it against the law.
See how good the water tastes
When you can’t have any at all.

Chorus

Findin’ a natural woman,
Like honey to a bee.
But you don’t buzz the flower.
When you know the honey’s free.

Chorus

Suzy maybe give you some cherry pie,
But lord, that ain’t no fun.
Better you grab it when she ain’t lookin’
’cause you know you’d rather have it on the run.

Chorus

Pegue um copo d'água
Torne-o contra a lei.
Veja como fica bom o gosto
quando você não pode ter nem uma gota.


A estrofe de interesse é obviamente apenas a segunda, cuja tradução já se torna impeditivamente ridícula. Mas tem tudo a ver com a geração web 2.0, pq fala em BUZZZZ!...

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