A vida é um caos mutante insondável. Tudo é contingente, e as vicissitudes são infindáveis.
A existência física é ainda uma eterna viagem no tempo. Estamos a todo momento efetivamente viajando no tempo, para o futuro. Uma inexorável viagem por um único trajeto e para um único destino, durante a qual continuamente nos perguntamos: "e se tivéssemos virado à esquerda ali atrás?", e "será que essa rua é sem saída?".
Quando morreu o Arthur Clarke senti algo que jamais havia antes, mas aquele poema do Kipling, que ele sabiamente citou e eu fiz questão de traduzir, me ajudou a passar por isso. Me fez ver melhor que às vezes a gente dá mais valor pro que a gente não tem, especulando sobre coisas que pessoas falecidas poderiam ter feito, do que apreciando o que elas fizeram, o que deixaram.
Nietzche, por exemplo, morreu antes de desenvolver direito o conceito de "eterno retorno", do qual eu tenho uma certa interpretação pessoal... Envolve um pouco uma idéia de que as coisas vão mudando, mas tem coisas que vão ser sempre as mesmas, tipo, a história vai se repetir fatalmente. Eu vejo não como uma repetição determinística, inambígua, absoluta e simplória, mas apenas como uma repetição num sistema caótico, que está fadado a se repetir simplesmente porque o número de alternativas é limitado...
Mas o lance é que existem sim coisas que não mudam, além dessas daí. São justamente livros antigos, como os que Nietzche deixou até 1900, e os que Clarke deixou até 2008... E são músicas, quadros, esculturas, e podcasts e seriados de TV.
...No LOST está rolando um lance duma tecnologia lá que permite viajar no tempo, pra isso você precisa ter uma tal "constante", uma coisa que você precisa entrar em contado nos diferentes pontos do espaço-tempo, senão você ENLOUQUECE...
(atenção metaforofóbicos: contem metafolanina)
Só neste momento é que comecei a ver nisso uma bela metáfora da nossa própria viagem no tempo involuntária e unidirecional... Sem umas constantes você fica louco.
Você pode estar num lugar, ir pra outro, ser uma coisa e virar outra. Sofrer todas metamorfoses físicas e mentais, mas o sutil vibrato e batimentos daquele arpeggio levemente distorcido de Born on the Bayou, do Creedence Clearwater Revival, capturado em suas maravilhosas gravações, vai ser sempre o mesmo. Vai tar lá igualzinho, mesmo depois que a sua vida tiver se transformado completamente. Aquele timbre indescritível estará sempre lá pra te embasbacar de novo... (E agora com a pirataria em larga escala pela Internet, com mais certeza ainda.)
Talvez seja sorte a nossa que as melhores coisas da vida (CCR facilmente entre as 10 primeiras) sejam imutáveis. Talvez seja o contrário, a gente gosta delas porque não é trouxa, e escolhe coisas que não se podem perder facilmente... Mas eu acho que não, é sorte mesmo. E sorte que freqüentemente desprezamos, tendo às vezes a ilusão de que estas coisas seriam meros luxos passageiros desprezíveis, e que importante mesmo seriam títulos nobiliárquicos, contratos, promessas, compromissos e outras atrocidades antrópicas.
Da próxima vez que você encontrar um engenheiro eletricista, dê um abraço nele, e agradeça-o entusiasticamente por ter desenvolvido estas técnicas capazes de imortalizar aqueles preciosos sinais produzidos 39 anos atrás, e permitindo-os ainda hoje transformar o planeta todo num infinito, eterno, constante e imutável bayou dionisíaco.
(Um "báyaco"? Bayou cannal??)
Num mundo caótico incerto e desconhecido, nada melhor do que poder dar de novo um repeat numa seqüência de números inteiros. Revisitar um bom sistema determinístico, linear e invariante no tempo...
2008/05/01
Navegação orientada por marcos
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