2008/03/20


Encontro com Clarke

A algumas semanas atrás eu havia conseguido um endereço de e-mail pra Scholarpedia poder convidar o Arthur Clarke a escrever um artigo pra lá, sobre satélites geo-estacionários de comunicação. Ele declinou, mas ao menos respondeu o convite (muitos convidados nem dão bola).

Por causa disso eu estava com ele fresco na cabeça, sabia que ele tinha acabado de fazer 90 anos... E uma preocupação grande da Scholarpedia hoje é justamente tentar chegar aos potenciais autores mais velhos. É um alívio saber que pelo menos tentamos no caso dele... Mas é claro que não é um alívio que ultrapasse a tristeza da sua mudança irreversível de estado.

Fiquei sabendo da morte do Clarke de manhãzinha, meu cunhado me mandou um e-mail, e foi uma coisa rara eu ter lido tão cedo meus e-mails. Eu não esperava que fosse ficar tão triste no dia inevitável-mas-não-comentável, já que ele não era um dos autores no topo da minha lista de preferidos (apesar deu ter lido um só livro)... Mas foi só ontem que percebi que em primeiro lugar ele é pra mim mais do que um autor de livros... Ele representa muito mais do que isso, é um nome associado com "achar legal" ciência, tecnologia e a ficção-científica, e isso é que é o mais importante. Era um "bastião" de muitas coisas legais, antes mesmo de ser um autor.

Senti um frio na espinha porque percebi que foi o terceiro a morrer, de um grupo de pessoas seleto e muito importante pra mim: o grupo das mentes que contribuíram de alguma forma para o filme 2001: Uma Odisséia no Espaço.

Quem não sabe fica sabendo: O filme é em parte baseado em Nietzsche, e este é um escritor (filósofo) que admiro muito. Morreu lá em 1900. Kubrick morreu em 1999, e agora depois de Clarke sobrou só o
Minsky. (Poderíamos querer incluir o Osamu Tezuka na lista, mas não ajuda, ele faleceu em 1989.)

De repente eu me sinto que estão nos deixando meus mais admirados pensadores, e não surgem muitos novos no lugar. Em alguns anos vou ficar sozinho, perdido nessa rocha insípida...

Junto a esse sentimento veio ainda uma percepção que já tive a algum tempo, de que tem tantas coisas legais do anos 60 de que eu gosto muito, mas relativamente menos coisas contemporâneas. (não só dos 60, eu tenho uma queda pelos anos 20 tb) O 2001 é um filme inigualável, e tem muito poucas produções modernas que chegam perto de me agradar tanto quanto ele. Foi lançado em 1968.

Mais ou menos na mesma época, Minsky lançou um livro que é muito falado na área de redes neuronais (ou redes neurais), chamado Perceptrons. Ele é muito falado, mas é MAL-falado. Por algum motivo bizarro, que foge à compreensão humana, as pessoas falam do livro sem tê-lo lido, e ficam repetindo inverdades. Fala-se que o livro traria "hipóteses" que teriam colocado em estase a pesquisa em redes neuronais (e outras coisas similares), e que depois teriam sido provadas falsas.

Mentira. O livro traz resultados ólidos que valem até hoje. Mais do que isso, fala de técnicas par ao uso dos perceptros que se diz só terem sido descobertas mais tarde...

Ninguém leu o tal livro, e ele fala coisas que precisam ser ditas hoje em dia. Ele toca em questões que ainda são atuais!...

Coicidentemente, li a pouco um artigo relacionado à morte do Clarke, e caí nessa entrevista com o Stephen wolfram (não é segredo pra ninguém que eu o admiro em alguns aspectos, mas me desentendo com ele às vezes). Nessa entrevista, ele fala sobre ainda não termos chegado a construir algo semelhante ao HAL9000. Ele fala justamente que pode ser que tenhamos deixado algo escapar, algo que podíamos ter visto a 20 anos atrás. Não quero com isso implicar que o livro do Minsky é precisamente a coisa faltando, que se mais pessoas tivessem lido e menos pessoas falasem mentiras sem ler que então tudo seria diferentes, mas é digno de nota que o Wolfram esteja levantando a hipótese de que pode se tratar de um natural "lapso de atenção" da comunidade científica, e que ao mesmo tempo eu sinta que estamos de fato cometendo esse tipo de erro com o Perceptrons.

E não é só o Perceptrons, meu sentimento vai além. São outras coisas ali dos anos 50 e 60 que parece que não "sobreviveram" ao anos 90 e 2000, e são às vezes "reinventados", ou tomados de uma forma que considero errônea... E isso tudo faz a gente perder tempo. Tempo precioso...

Nesse vídeo que o Clarke gravou após compeltar sua derradeira revolução ao redor do Sol, ele tenta ser otimista, e fala sobre como que é legal que a viagem espacial turística esteja a ponto de se tornar uma realidade. Mas convenhamos, não é meio vergonhoso que a "corrida espacial" tenha passado por um certo congelamento lá nos anos 70 e 80?... Vá lá, tivemos missões não-tripuladas, mas eu não sou capaz de ver aqui neste momento da história deste meu ponto de vista, que as coisas tenham se dado de forma contínua, monotônica... Não acho que a exploração espacial dos anos 80 tenha sido uma continuação natural daquele desenvolvimento entusiasmante dos anos 60, quando já se esperava pelo vôo espacial civil. Precisou se passarem uns 30 anos até que se falar nisso tenha começado a se tornar uma realidade (o X prize começou em 1996).

Enfim, o falecimento do Clarke está me trazendo todo o tipo de sentimento de solidão e descontentamento, mas também de esperança e "boas memórias"... Coisas da vida.

***

A vida continua. No final da mensagem do Clarke ele menciona um belo poema de Rudyard Kipling. Kipling era um inglês-nascido-na-Índia, e faz alguns dias que eu coincidentemente li um pouquinho sobre ele na Wikipédia, por causa da agitação que rolou / está rolando em Myanmar. Ele escreveu um poema chamado Mandalay, que é uma cidade grande de lá.

Ele foi o primeiro anglófono a ganhar um prêmio nobel, e é até hoje o mais jovem laureado na área (42 anos). O poema que o Clarke cita é exatamente tudo o que eu estava precisando ouvir.


The Appeal (Kipling)

If I have given you delight
By aught that I have done,
Let me lie quiet in that night
Which shall be yours anon:

And for the little, little, span
The dead are born in mind,
Seek not to question other than
The books I leave behind.


Que traduzo de forma inventiva, em tributo...

O Apêlo

Se lhe agradei ao menos
por algo que tenha feito.
Me deixe ao noturno leito
que logo dividiremos.

E por um tempo breve e fugaz
os mortos surgem em mente.
Peço questione somente
os livros que deixei pra trás.



Agora, procurando pelo texto do poema, esbarrei numas coisas interessantes. Acontece que a figura de Kipling é um tanto quanto controversa. Por um lado ele escreveu e criou uma porção de coisas positivas, legais e bonitinhas como o Mowgli. Mas por outro ele é considerado por alguns como um prenúncio do imprialismo britânico. Em especial, parece que George Orwell dizia isso. Ele, que não só autorou 1984 como também o livro maizomenos autobiográfico Burmese Days.

Kipling escreveu o infame poema White Man's Burden, e isto não passaria de uma curiosidade se não fosse o fato de que esta expressão aparece no filme The Shining, do Kubrick!!... É inclusive uma das pistas para se ver que o filme fala sobre a colonização da América (claro que nada é tão simples assim, vocês sabem. Ou deviam saber...)

Kipling também tem alguns poemas (como esse) que tocam na questão da tecnologia de uma forma singular, que certamente interessará muito aos fãs de 2001.

Pra finalizar, folheando aleatoriamente pela Internet fiquei sabendo só agora que a (última) esposa do Kubrick, e o rimaõ dela que produziu seus últimos filmes, eram parentes de um certo diretor alemão que serviu (com ignoto nível de satisfação) ao regime de Hitler. Essas coisas todas, Clarke, Kipling, Kubrick e Hitler, estão interconectadas, mas só as pessoas que brilham é que percebem.

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