2009/05/22


O papel da densidade do papel

Vi numa mensagem neste fórum que o cálculo da largura [da lombada] de um livro em milímetros seria realizado pela seguinte fórmula: número de páginas vezes a gramatura, dividido por 2000. Por exemplo, 80 páginas, gramatura 90 (bem comum para livros), daria 80×90÷2000 = 3.6mm.

Para entender essa fórmula, e o significado da constante 2000, é só botar a unidades de medida na fórmula.

Primeiro que não interessa quantas páginas, e sim quantas folhas. Como são duas páginas por folha, a fórmula deveria ser N [folhas] × P [g/m^2] ÷ 2000 [?] = l[mm]. A gramatura é dada por gramas por metro quadrado, e o resultado é em milímetros... O número de folhas é linear, e está simplesmente multiplicando o tamanho de uma única folha, então vamos esquecê-lo.

Vamos reescrever esta fórmula deixando tudo como multiplicação, e passando o resultado pra metros: P[g/m^2] × (1/1000) [?]= l×1000[m]. Pra sobrar uma unidade de metros no fim, esse valor deveria ser [m^3/g], o inverso da densidade volumétrica. Jogando o fator mil pro lado direto, temos enfim: P[g/m^2] ÷ 1000000 [g/m^3] = l[m]. Esse 1000000 aí, ou uma tonelada por metro cúbico, é a densidade volumétrica do papel. A gramatura dividida pela densidade volumétrica dá a espessura do papel. Da mesma forma, a gramatura dividida pela espessura dá a densidade...

Se você ler aquele fórum, vai ver que começa justamente falando diferentes valores para diferentes papéis. Todos aqueles valores na verdade circundam esta constante aí, de uma tonelada por metro cúbico. Segundo o que está ali, teríamos os seguintes valores de densidade:



off-set: 75,90,120 [g/m^2] / 0.11, 0.12, 0.16 = 681.82, 750.00, 750.00 [g/m^3]
couché brilho: 75,90,120 [g/m^2] / .07, .08, .11 = 1071.4, 1125.0, 1090.9 [g/m^3]
couché fosco: 90,120 [g/m^2] / 0.09, 0.12 = 1000, 1000 [g/m^3]

Os valores deveriam ser iguais para todas gramaturas de cada material... O couché fosco teria essa densidade de 1ton/m^3 da fórmula que o outro cara disse, o couché brilho seria um pouco mais denso, e o off-set teria a densidade menor, de 750kg/m^3. Ou seja, para uma mesma gramatura o off-set precisa de mais papel por metro quadrado, portanto deve ser mais grosso.

Talvez os valores não estejam perfeitamente iguais pra cada material apenas por causa dos arredondamentos de quem produziu estes "valores mágicos", mas existe uma possibilidade científica de haver essas diferenças: papéis como o couché brilho, se não me engano, recebem camadas de certos materiais sobre o papel. Assim sua gramatura é determinada pela gramatura duma camada de papel somada a uma camada desse outro material de espessura constante, e aí o valor realmente não seria o mesmo pras diferentes gramaturas... Mas duvido que seja isso que aconteceu aqui.

Então é isso, anotem esse número: a densidade do papel couché é aproximadamente uma tonelada por metro cúbico (tipo a densidade média de um CARRO!), e off-set é 3/4 disso. Agora sabendo a gramatura de um papel vc pode se virar pra achar a espessura, e sabendo a espessura vc pode se virar pra achar a gramatura.

2009/05/19


O lobo que soprou nas bolhas dos porquinhos



Estou adorando ver os delírios e mais completas aloprações insólitas das pessoas tentando explicar por aí, em comunicações rápidas de blogs tweeters e outras buzzinas digitais, do que se trata o tal Wolfram|alpha lançado essa semana.


Quase todo mundo insinua que vai concorrer com o Google. Insinuam ainda que vai concorrer com a Wikipédia... Alguns juntaram isso, disseram que o alpha seria "Google + Wikipedia".


Vamos começar por aí. Inventar um "Google + Wikipédia"? Ora, mas isto é o mais completo absurdo! Em primeiro lugar, já é perfeitamente possível utilizar o Google pra fazer buscas na Wikipédia. É assim, aliás, que eu mesmo quase sempre consulto a Wikipédia: a partir do Google. Faço isso porque o mecanismo da Wikipédia é meio fraquinho, e não considera errinhos de sintaxe, por exemplo (aliás, acho que estão mudando mas nem sei.)


Agora vejamos. O que é o Google? A bem da verdade, em boa parte do tempo o Google _É_ a Wikipédia. Tem muitas consultas que você faz no Google que o primeiro link que aparece é a bendita. Vai lá, procura no Google (no gringo!): "Platypus" (ornitorrinco). O que parece? Pra mim apareceram primeiro resultados de imagens, e a seguir? Wikipedia. E depois um monte de bobagem.

A Wikipédia é o destino natural pra qualquer busca de conteúdo enciclopédico. É o lugar para se ler sobre temas como a pequena era do gelo, a hipótese da língua inglesa ser uma língua crioula, ou ainda encontrar coisas como listas detalhadas de posições sexuais.

O Google serve pra achar coisas na Internet como um todo. É uma ferramenta meia-boca pra achar todo tipo de coisas, porque os sites por aí são todos meia-boca, e se você soubesse exatamente onde tem algo, estaria indo direto, ao invés d e procurar no Google.

Exceto, é claro, quando vc usa o Google como uma terceira função: o de catálogo de bookmarks. Eu tenho muitos sites que eu só acesso pelo Google. Escrevo lá a busca que eu sei que vai mostrar o site, aí entro. É preguiça de usar os bookmarks do meu browser, e de decorar o endereço... Eu decoro a busca do Google. Se o Mozilla tivesse um jeito fácil de buscar nos meus bookmarks, talvez eu usasse.

E existem, é claro, outros produtos do Google como busca de imagens, vídeos, o gmail, etc, mas isso não vem ao caso, tamos falando só do lance de buscas.

Agora vamos voltar na segunda função, a mais "geral". Imagina que você quer encontrar uma certa informação tipo a população de um país ou o PIB per capita de um continente, achar a série histórica. Esse tipo de informação pode ser um inferno de achar. Fica tudo espalhado. Achar essas coisas no Google pode ser um inferno, porque ele te dá inúmeros falsos positivos. E aí você fica lá tentando e tentando escrever as palavras mágicas que vão fazer aparecer os dados do seu interesse.

Aí que entra o Wolfram|alpha... Não se limita a isso, mas é um dos melhores exemplos.

O W|a, como eu vejo, começa como um grande almanaque. Eles juntaram, e irão manter, um grande banco de dados com muuuitas coisas, bem estruturadinho, e com consultas preparadas pra todos esses diferentes dados.

Por exemplo, eles tem dados como população de países e cidades, e PIB, tudo ao longo de anos. Mas ele faz muito mais do que simplesmente mostrar os valores... Ele gera gráficos sob demanda. Se você pede pra ver o PIB de diversos países junto, ele plota sobreposto. Ele também faz _contas_ na hora. Você pode mandar plotar a série subtraindo, dividindo...

Isso tá bem à frente do que o Google pode oferecer. O Gugo até tem função de calculadora e conversão de unidades de medida, por exemplo, mas o W|a tem nas consultas que envolvem computação um objetivo primário. O Google oferece calculadora mais assim, como um vídeo cassete que marca as horas...

E o W|a já coletou algumas coisas bem interessantes. Tem um banco de dados de pessoas, e eu consegui plotar linhas do tempo marcando quando várias pessoas viveram, algo que gosto muito de ver. Sair pelo Google achando essas informações, caindo lá na Wikipédia ou nas biografias daquela universidade da Escócia (st. andrews?) é bem chato. Poder mandar plotar, e ver que Galileo e Descartes morreram pouco antes de Newton e Leibniz nascerem, isso sim é bem mais interessante.

Outro banco legal é o de filmes! Sim senhor. Podes crer que a partir de hoje, quando quiser me lembrar de algum detalhe sobre algum filme (quem dirigiu/escreveu) vou usar esse site muito mais do que o Google, a Wikipédia ou mesmo o imdb. Ele mostra as informações de forma concisa, e ainda bota tudo em colunas pra vc comparar os filmes...

A atenção a alguns detalhes revelam a essência do espírito do Wolfram|alpha. Sempre que datas de eventos históricos são mostradas, aparece do lado, em letras pequenas e cinzas, a quantos anos atrás é isso. Datas de morte de pessoas ainda dizem com quantos anos elas morreram, e períodos de tempo vem tanto em minutos quanto em horas.

O negócio é uma ferramenta de informar. Não é uma ferramenta de buscar páginas da Internet com o Google, e não é uma enciclopédia editada colaborativamente por pessoas de todo o planeta. É uma terceira coisa.

Talvez as pessoas queiram ver o Wolfram|alpha como um substituto do Google ou da Wikipedia porque hoje são alguns do s lugares a que elas recorrem pra achar certas coisas. Mas a verdade é que estes dois aí não estavam cumprindo alguns dos papéis que o W|a vai cumprir. A gente vai no Google é mais por falta de onde ir mesmo. Quem sabe o Google vai começar a apontar a gente pro Wa pra alguns tipos de consulta, igual ele já aponta pra Wikipédia?

Aliás, é bom lembrar também. Uma das funções da Wikipedia é apontar o leitor pra referências. Sim, muito se fala da Wikipedia não ter referências, mas isso é mentira. Tem muitos artigos que trazem no fim ótimas referências, e ótimos links pra páginas da web relacionadas ao assunto.

O W|a também tem suas fontes. E todos artigos mostram suas fontes, e... Surpresa! Umas das fontes é ninguém menos do que a Wikipédia.

Como diabos um site poderia pretender "substituir a Wikipedia", e citá-la como fonte? É óbvio que eles pretendem ser algo diverso da Wikipédia. A Wp é só uma fonte pro Wa, assim como o Wa vai ser alguém que a Wp vai sugerir você visitar de vez em quando.

É uma nova ferramenta gente. Expandam suas mentes, por favor...

Vale a pena mencionar que o pessoal do Wolfram está botando um esforço extra pra fazer consultas a partir de linguagem natural. Hoje no Google até tem gente que faz isso já, escreve lá "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha??" Assim mesmo, com mais de uma interrogação, e tal. Não sei quanto o Google já se comporta de acordo com o jeito que vc escreve, ao invés de considerar aquela string apenas um "saco de palavras", mas no W|a eles querem realmente conseguir interpretar melhor o que é escrito ali. Até mesmo porque eles tem o poder de responder às consultas de uma forma que o Google não faz, fazendo contas, gerando gráficos, etc.

O Stephen Wolfram, dono da empresa que fez o site, é um velho pesquisador de IA e de lógica e computação. Também o são muitas pessoas trabalhando hoje no Google. Quer dizer, muitos lá são pesquisadores e tal, mas poucos são VELHOS... Talvez a velhice do pessoal do Wolfram venha a ser o grande diferencial. Velho não tem tempo pra procurar coisa em diversos sites, muitos deles cheio de bobagem e banner de pornografia. Velho não tem paciência pra anúncio, e anúncio é uma coisa bem central no universo Google, que inventou o adsense.

O Wolfram|alpha tem umas integrações com o Mathematica, o principal produto do Wolfram. Isso daí mostra parte do espírito do negócio, e mostra de uma vez por todas que esse é um site bem diferente do Google e da Wikipédia. Que dia você acha que vai entrar no Google pra brincar de plotar florzinha? Nunca. Talvez quem sabe um "Google plotter", talvez usando o Google spreadsheet... Mas não se compara.

O futuro do W|a é você poder ir lá sair pegando dados e comparando de forma sofisticada, efetivamente escrevendo pequenos programinhas em linguagem natural. Isso não tem nada a ver com as propostas do Google e da Wikipédia...

A Wikipédia pode ter muitos dados sobre Antares. Lá você vai ler que o nome tem a ver com "ser contrário a Marte", vai ler sobre o nome em outras culturas, vai ver algumas fotos (as que não violarem direitos autorais, né), e outras coisas. E dados básicos. No W|a não tem esses dados profundos, só tem as coisas mais básicas, características físicas, fala no máximo a constelação. Isso, e plota pra você um maravilhoso mapa astral mostrando a estrela no céu, hoje. Se bota uma data, ele dá as coordenadas pra aquela data!... (não mostrou o mapa.. ainda! :) )

O Google pode até criar um "applet de astronomia" ou o escambau naquela página de "iGoogle" ou sei lá como chama, mas não tem nada a ver com o que é o Google, né? O Google de verdade é aquele calendário bizarro de páginas ruins. Qualquer coisa mais sofisticada do que isso eles tão empurrando pra fazer aquele lance de transformar o seu browser em um desktop de um meta-sistema operacional, algo a que não sou muito favorável... O Wolfram|alpha vai justamente na contramão, partindo da idéia de consultas, que é a coisa central do Google "roots", "hard core", e botando ali os tais applets. Você consulta e ele te dá uma página de respostas. É tudo o que a gente queria em um grande número de situações, mas o Google funcionava meio como um intermediário, atrapalhando nossa chegada até os dados nus e crus!...

Enfim, sei lá, não sei mais o que dizer. Bem vindo Wolfram|alpha, os que vão deixar de morrer de curiosidades insaciáveis o saúdam!

2009/05/16


A fonte dos diferentes tipos de pessoas

Existe aí pela Internet uma tal história de como o Steve Jobs, que seria um bobão sem habilidades, se deu bem em certo período de sua vida porque em certo momento no desenvolvimento das máquinas da Apple ele pôde aplicar conhecimentos de tipografia que teria adquirido de forma absolutamente casual em seu curto período no ensino superior. A história anda sendo citada por outros porque ilustraria o conceito de que toda a educação tem que ser recebida sem reclamar, porque você nunca sabe o dia que vai poder virar um milionário por ter aprendido a coisa certa no momento errado, mas aí um dia se ver de repente no momento certo.

Não tenho nada contra o Steve Jobs, acho um sujeito bacana. Mas fico triste de ouvir essa história por dois motivos. Primeiro porque faz ele parecer apenas um tolo em cuja cabeça caíram várias felicidades. Uma marionete da boa fortuna. Será que ele é apenas isso mesmo?

Segundo porque a história ao mesmo tempo pinta a tipografia como um assunto árido, como é talvez a trigonometria para alguns, e omite a existência das várias pessoas que contribuíram não só para o desenvolvimento da tipografia antes do Steve Jobs, mas figuras ilustríssimas do desenvolvimento da própria "tipografia digital", que a história dá uma impressão de ter sido inventada ao todo pelo Jobs.

Existem no mínimo dois nomes que devem ser sempre citados quando pensamos na história da tipografia computacional, e são duas pessoas que possuem uma grande paixão pelos dois temas, mesmo que tenham se especializado em apenas um.

Hermann Zapf, alemão nascido em 1918 e vivo até hoje, foi estudar tipografia após desistir (apenas por questões "logísticas") de seguir uma carreira de engenheiro eletricista. Foi nos anos subsequentes à WWII que ele criou alguns de seus tipos mais famosos, como a Palatino, que é uma de minha favoritas, e uma grande fonte de inspiração para outros criadores de fontes. Isso foi antes, portanto, dos computadores invadirem nosso cotidiano. Lá pro começo dos anos 1970 Zapf "cismou" em tentar desenvolver programas de computador para tipografia. Encontrou certa resistência no início, mas eventualmente as engrenagens da sociedade moveram-se nesta direção. Em 1977 ele se estabeleceu em uma empresa pesquisando tipografia digital, e nos anos 80 fundou outra empresa que foi eventualmente comprada pela Adobe nos anos 1990.

A outra figura é alguém que eu admiro muito, Donald Knuth. Um grande autor da área de ciência da computação, e um pioneiro que ajudou a criar a própria idéia da tal ciência, ao receber certa vez as provas tipográficas de um livro seu, achou tudo feio demais. Mas na mesma época ele viu em algum lugar o funcionamento de algum programa moderno de tipografia digital, e ficou encantado com a idéia. Naquele ano começou a planejar o seu próprio programa de tipografia, o TeX. A primeira versão rodava em um PDP-10.

Vale a pena mencionar en passant, pra termos noção do estado que a computação gráfica já se encontrava nos anos 1960 e 1970, que a formas mais comuns de desenhar letrinhas bonitas, as famosas curvas de Bézier, foram popularizadas em 1962. Bézier era designer de automóveis, e este tipo de curva veio bem a calhar para seu trabalho. Mas ele não realmente inventou nada mesmo não: as curvas não passam de cúbicas, e sua introdução na informática já se dera bem antes... Ele apenas "usou pra valer".

Knuth e Zapf tiveram a felicidade de trabalhar juntos em 1983 num tipo chamado AMS Euler, encomendado pela American Mathematical Society.

Aí então eu pergunto. Como pode ser que a tipografia digital tenha tanta história, e tantos personagens interessantes, pessoas apaixonadas tanto pela tipografia em si quanto pela computação, e aí a gente de repente precisa engolir essa ladainha do Steve Jobs? O Lisa (que ele nem menciona) e o Macintosh só começaram a ser desenvolvidos lá pra 1978. O Macintosh foi anunciado ao público em Outubro de 1983, quando, como pudemos ver, o trabalho ali do Knuth já tava bem avançado. Mais do que isso, já até existiam outros programas, como o tal programa que inspirou o Knuth antes.

O crédito que o Jobs merece é ter trazido isso para o desktop, assim como ter investido em interfaces gráficas. Foi mesmo algo muito legal. Mas ele não pode posar de grande visionário, fingir que inventou essas coisas. Ele é só um bom empresário, que pegou tecnologias existentes e levou até o varejo.

Me acompanhem aqui num passeio pelo tal discurso dele de 2006. Vejam o que ele fala sobre quando estudou caligrafia:

It was beautiful, historical, artistically subtle in a way that science can't capture, and I found it fascinating.

Grande "tecnólogo". Um sujeito que tem dificuldades em ver o belo naquilo que é "científico". Sinto pena pela má formação dele, que lhe causou esses traumas de ter pesadelos à noite com trigonometria, e essas coisas que não são "belas, históricas, sutis e fascinantes". Sorte que nem todo mundo pensa assim, tem gente no mundo como o Knuth, o Zapf, eu, e imagino que muitos de meus leitores... E como ele foi fazer o tal curso, afinal? Atirou um dardo e se matriculou no curso em que caiu?

Mais pra frente ele diz

If I had never dropped in on that single course in college, the Mac would have never had multiple typefaces or proportionally spaced fonts. And since Windows just copied the Mac, its likely that no personal computer would have them. If I had never dropped out, I would have never dropped in on this calligraphy class, and personal computers might not have the wonderful typography that they do.

Essa deve ser uma das coisas mais pretensiosas que eu já li na minha vida, de tal intensidade que prefiro não comentar aqui. Sei que quando estou bravo escrevo grandes discursos raivosos, porém maçantes... Se eu fosse parar pra falar longamente de tudo que me incomoda e me dá raiva na vida, não sobraria tempo pra viver.

Talvez ele e a Apple realmente tenham tido um certo papel de Prometeu contemporâneo, sendo grandes responsáveis pela popularização de algumas tecnologias no público mais lammer. Afinal de contas, rodar TeX em desktop não era realmente comum talvez até lá pros anos 1990... Mas essas coisas já estavam todas por aí, a informática não começou só com os microcomputadores dos anos 80. Outras pessoas inventaram essas coisas pelas quais o Steve se vangloria e que o Bill teria "copiado dele" depois. Outros já tinham "pioneirizado" o caminho, inventando as interfaces gráficas, por exemplo. Ele não foi explorador, foi só o vice-rei que veio coletar os espólios.

Metido nojento.

Mas é como dizem, quem come maçã com casca, semente e talo está bem informado a respeito de suas peculiaridades fisiológicas.

2009/05/13


Como citar a wikipédia em artigos

Sendo uma fonte de informações nova, algumas pessoas sentem ainda uma certa confusão na hora de citar páginas da WWW --- e mais especificamente artigos da Wikipédia --- em seus textos, trabalhos e artigos científicos. Ninguém sabe direito o quê e como colocar na citação...

Pois não se desesperem, amigos! A própria Wikipédia já se preparou pra isso. Existe lá uma ferramenta formidável para ajudar você na hora de citar a Wikipédia em seu trabalho.

É muito simples: ao lado esquerdo do artigo existe uma coluna, que tem no alto a logomarca da Wikipédia. Logo abaixo existem várias caixas com links úteis. Por exemplo, lá você encontra links para o artigo correspondente ao que você está lendo nas Wikipédias de outras línguas. Isso pode ser bem útil, eu mesmo já fui muito na Wikipédia em inglês, achei algo que procurava, e pra descobrir como traduzir simplesmente entrei no link para o mesmo artigo na Wikipédia em português.

Mas voltando ao que importa: em uma dassas caixas, chamada "ferramentas", existe um link chamado "citar este artigo". Ao clicar ali você será transportado para uma página contendo as informações que você deseja, e muito mais. Existem ali também textos preparados automaticamente para citar aquele artigo que você estava lendo, nos mais diversos formatos de citação. O primeiro da lista é inclusive o infame formato da ABNT. Por exemplo, se você entrar no artigo sobre "Citação", e pedir pra ver o "como citar", a citação no formato da ABNT seria:

WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cita%C3%A7%C3%A3o&oldid=14502083>. Acesso em: 14 maio 2009


Notem uma característica muito importante desta citação: o URL aponta para a edição específica da página que você leu, e não para a versão atual do artigo. O que causa isto é o "oldid" no fim do URL. Ou seja, você estará citando exatamente o artigo que você leu quando fez sua pesquisa. Se alguém modificou o artigo depois, fazendo por exemplo um vandalismo, isso não vai aparecer nesse link específico citado ali. Por outro lado, correções também não vão aparecer, mas o usuário pode facilmente checar a versão atual pra ver se tem algo novo interessante. Pode até mesmo checar qualquer outra versão mais recente ou antiga.

É exatamente como nos livros, onde citamos edições específicas do livros que usamos. Isto é muito importante porque um dos argumentos mais comuns contra o uso da Wikipédia como fonte "séria" seria a sua efemeridade. Mas quem crê nisso ignora como este fenomenal site funciona, não sabe que todas versões de todos artigos ficam armazenadas para sempre lá, e que é possível fazer citações a edições específicas dos artigos.

E pra quem usa LaTeX, lá tem até uma entrada pra bibtex também. Se você nem sabe o que é TeX, eu recomendo veementemente que dê uma chance a este que é um programa fenomenal, cada vez melhor, muito flexível, e que produz resultados de excelente qualidade.

Agora vocês podem voltar a trabalhar com tranquilidade... Divirtam-se! :)

Wikipédia é o futuro. Mas lembrem-se sempre: não interessa como ou quem você cita, seja a Wikipédia ou qualquer livro ou fonte mais tradicional. O que importa é a ciência, a razão, a lógica, o diálogo, a tolerância, e enfim, a "noção das coisas" como disse Graça Aranha em sua memorável carta a Joaquim Nabuco. A ciência não é apenas um conjunto interminável de textos pomposos escrito por pessoas importantes, citando outras pessoas importantes mais velhas que elas, muitas delas mortas. Ciência é sobre coisas que pessoas como eu e você podemos ir lá, entender, e fazer acontecer.

Nullius in verba é o lema, em bom latim, da Royal Society de Londres. Significa "segundo [as palavras] de ninguém". É o oposto da idéia de que boa ciência precisa de boas citações. Citações deviam ser apenas para permitir ao autor ater-se a escrever em seu trabalho apenas o estritamente necessário, e poder referenciar de forma simples trabalhos relacionados ao que está sendo exposto --- como no caso de artigos que relatam o desenvolvimento de alguma idéia em um longo período. O autor cita quando lê algo de que gosta, e acha perfeitamente admissível, senão recomendável, que o leitor busque ali um complemento a seu texto. Citações não deveriam ser um mero instrumento de retórica, para dar uma aparência mais profissional e competente a seu texto.


Marooned on Mars

Estou escrevendo um texto, e dei uma parada pra relembrar sobre uma das coisas mais LEGAIS que ocorreu no mundo, (senão na galáxia, ou em todo universo) nas últimas décadas: as famosas sondas marcianas enviadas pela NASA.

Eu nem existia ainda, ou mal tinha nascido, quando ocorreram boa parte dos mais excitantes sucessos humanos na exploração espacial. A última vez que alguém pisou na Lua foi na missão Apollo 17, em 1972, e a última sonda soviética a Vênus, Venera 14, pousou lá no ano que eu nasci, 1981. além de dados cientificíssimos que vc tem que ser um fodão pra analisar, ela tb mandou umas foto muito louca, de cair o queixo... Ou melhor "de outro mundo"!

Um evento marcante na minha infância, ligado ao espaço sideral, foi a passagem do cometa Halley. Mas desculpem, nem se compara né gente? É até meio deprimente pensar que uma passagem de um cometinha deixou todo mundo em polvorosa, e suscitou tantos produtos, programas de TV, e atraiu pessoas pra ciência, enquanto que em décadas anteriores vimos acontecimentos muito mais marcantes como a passagem da Voyager 1 por Jupiter e Saturno, ou antes disso o desenvolvimento da tecnologia nuclear...

Talvez eu esteja reclamando de barriga cheia, vai. O que aconteceu de legal nos anos 80 e início dos 90 foram coisas dentro de nossas casas, e não missões faraônicas que na prática são tão oníricas e inalcançáveis que histórias e filmes de ficção científica e fantasia.

Filmes de ficção e fantasia, aliás, tornados muito mais acessíveis com o desenvolvimento de vídeos-cassete, tv a cabo e vídeo-games nos anos 80. Eu não posso dizer que trocaria ser um garoto jogador/programador de microcomputadores por ser um antigo rapaz interessado em viagens espaciais, que não podia nem chegar perto de botar as mãos nisso...

Os antigos nerdinhos podiam no máximo jogar xadrez e mexer um pouco com química e eletrônica (vide Feynman e Oliver Sacks). Minha geração pôde jogar Commander Keen, Super Mario World e Monkey Island ouvindo Guns e Alice in Chains em tocadores de CD (o primeiro CD player da minha casa, um JVC, adquirimos em um natal, na época em que estourou o Rage Against the Machine, 1992). Os sortudos ainda conseguiram ver uns filme pornô (ruinnns) escondido no Multishow de noite, etc.

Isso aí é muito mais diversão do que os jovens de antigamente podiam sonhar. As pessoas falam que criança tem que brincar de "imaginar", e "fantasiar"... Tipo, será que essas atividades não tem mais a ver com a privação de atividades palpáveis, mais interessantes? (provoquei agora)

Aí mais ou menos junto veio a Internet, lá pra 1994, e mais um tempo depois fenômenos como o Photoshop, CoolEdit, Autocad, Quake 3D (1996)... Nisso já estava eu mais velho. Estava lendo coisas como o Pálido Ponto Azul (1994?), e aprendendo mais sobre a guerra fria, e esses grandes acontecimentos científicos de outrora (exploração espacial e tecnologia nuclear) que eram coisas meio distantes de minha realidade (i.e., só usando um pouco da famosa "imaginação"). Eu provavelmente ouvia falar mais de energia nuclear por causa de músicas punk velhas de protesto, do que assistindo jornal. Historicamente eu (e talvez muitos se identifiquem) me sinto bem mais próximo do incidente em Goiânia (1987), que não envolvia nem uma usina nem um míssil nuclear, do que de Chernobyl (logo antes, 1986), Hiroshima, ou da crise dos mísseis de Cuba. Eu só vim a pensar em guerra nuclear na minha vida, pra valer, por causa do Exterminador do Futuro II (1991), com a famosa cena do parquinho.

***



Eu gosto de dizer que os anos 90 começaram foi depois do Pulp Fiction, de 1994. Foi nessa nova era que, em Dezembro de 1996 faleceu Carl Sagan, de quem eu já tinha me tornado groupie. No mesmo mês foi lançada a missão Mars Pathfinder.

Nessa missão fizeram uma coisa muito legal. Lançaram lá na superfície de Marte um robozinho, a Sojourner, que saiu andando por lá, e tirando foto!! Para pra pensar, que coisa foda, meu!!! Uma sonda robótica alienígena interplanetária!

Eu, por sorte, estava fresco com os livros do Sagan na mente nessa época, e tinha noção de que existiam já fotos da superfície de Marte, e que não era especificamente isso a grande novidade. Mas é claro que essas novas fotos eram muito mais doidas. E agora eu conto uma coisa bacana, que dá uma boa idéia de em que pé se encontrava nessa época o desenvolvimento da informática caseira, o outro tema de que estou falando. Eu e meu irmão, não lembro se na onda de um joguinho de SNES do Ultraman que jogamos umas vezes, pegamos uma das fotos da Sojourner (de algum site, se não ainda alguma BBS), e fizemos uma montagem com o Ultraman aparecendo ao longe! Eu imprimi em nossa moderna impressora de jato-de-tinta colorida, e levei pra escola no dia seguinte, pra zoar com os amigos. Acho que fizemos com o Aldous Photostyler, o mesmo programa que usei uma vez (talvez antes) pra fazer uma nota de "sem reais" que eu carrego na carteira até hoje. (O plano real foi adotado na metade de 1994.)

Talvez tenhamos pegado a foto no famoso site da NASA, que por muitos anos foi a única coisa que havia na Internet. Nem tinha muito conteúdo não, mas pelo menos vc podia digitar o URL e efetivamente cair em alguma página, o que era uma coisa meio difícil ainda na época. (Hoje qqr coisa que vc escreve cai pelo menos num domínio reservado, e cheio de anúncios!)

No final de 1999 eu entrei na faculdade. Finalmente comecei a parar de usar Windows nessa época, e passava muito mais tempo aprendendo a programar do que usando programas. O próprio hardware virou meu vídeo-game. (Eu ouvia muito MoAM nessa época, e RATM, ATR, Sabbath...)

Na faculdade, lá pro segundo ano, possui uma cópia do livro Sinais e Sistemas do Simon Hayking (obs: eu prefiro o do Oppenheim) que trazia, na capa, a nossa amiguinha a Sojourner. Foi bem legal ver ela lá, me fazia lembrar a promessa do meu guia do vestibular: "Engenharia elétrica é a arte de lidar com tecnologia de ponta."

Nessa época a exploração espacial finalmente voltou a "esquentar". A ISS começou a ser montada a partir de 1996 (a Mir morreu em 2001). E eu me lembro muito bem, ente 2003 e 2004, da infelicidade com a missão Beagle 2, da ESA (mais UK), que era uma sonda (não-andarilha) criada com o intuito maior de estudar a questão da vida em Marte, mas que não pousou com sucesso. Eu lembro de acompanhar isso pela Internet, ler entrevistas em sites, etc.

No comecinho de 2004, meio que "renovando" após o destino cruel da sonda monarquista, chegaram em Marte as duas novas sondas andarilhas, Spirit e Opportunity. Essas tiveram bastante cobertura pela Internet... Agora, sabe qual é um dos motivos porque eu cobrava tanto uma boa cobertura dessas missões pela Internet? Primeiro que a NASA sempre prometeu ser uma das coisas legais na Internet, e sempre me deixou um tiquinho decepcionado (hoje em dia até que me satisfaço). Mas o maior motivo é que eu fiquei mal-acostumado com a boa cobertura da copa de 2002 pela Internet! Tinha uns sites muito legais...

Pra falar a verdade, apesar de me interessar a princípio, eu acho que não acompanhei pra valer essas missões espaciais todas como eu poderia ter feito. É só hoje, lendo a Wikipédia e outros sites (e escrevendo no meu blog), que eu começo a entender bem melhor tudo o que aconteceu.

A Phoenix, em 2008, eu até que acompanhei bem. Escrevi um longo post no meu blog sobre a questão do gelo encontrado, inclusive. Com a chegada da "web 2.0", eu senti necessidade de poder ter algum tipo de "feed" sobre o que ocorria. Queria assinar o Tweeter da sonda, saber a cada minuto qual era a temperatura registrada por ela, ver os dias marcianos passando... Isso não rolou a meu contento, mas acho até que houve alguma preocupação "dos cientistas" em tentar fazer isso.

***

Mas é só agora que parei para escrever tudo isso, tirar uma foto com minha visão panorâmica, que estou entendendo que boa parte do barato nas novas missões é justamente elas estarem acontecendo nesse novo mundo de Informática avançada, com micros pra todo o lado, Internet e o escambau.

Minha geração não foi a do átomo nem a do foguete, mas o pessoal do CERN e da NASA ajudaram muito em botar em pé essas coisas todas: Internet, vídeo-game, etc. De repente o que rolou foi uma parada pra respirar, pra entender melhor o que tava acontecendo, uma espera estratégica sabendo que mais alguns anos e a computação ia conseguir entregar pra gente grandes prodígios, que seriam dignos de se esperar um pouco pra fazer uso.

Dá pra ver o desenvolvimento da computação na exploração espacial comparando as 3 missões com "rovers" da NASA.

Aliás, pausa pra falar dessa palavra... Parece que "to rove" significa algo como "um andar despretensioso", "passear, flanar"... Das sinonímias do Houaiss:

andarilhar, bangolar, bangular, bestar, borboletear, burlequear, deambular, divagar, errar, flainar, flainear, flanar, girar, passear, perambular, vadiar, vagabundar, vagabunde


E aí, já tinha pensando alguma vez que essas sondas eram "vagabundas"? :D Eu tenho tentado traduzir como andarilhas, talvez perambulantes...

Mas enfim, a primeira, a Sojourner, tinha um processadorzinho chinfrim, baseado no 8085. Esse é um processador de depois do 8080, que é revolucionário na história, mas antes do 8086 e 8088, que ficaram famosos por serem os processadores dos primeiros "PCs" da IBM. O 8085 foi eclipsado em sua época pelo maravilhoso Z80, que era usado no TK85 e no MSX, e muitos outros produtos, até hoje.

Aí você pode me perguntar de cara: mas como diabos um processador tão ruim? Não podia ser um Pentium? 386 pelo menos?? Não pode porque tem que ser um processador que consuma muito pouca energia, tem que ser adequado pra um sisteminha pequeno que vai consumir pouca energia como um todo, tem que ser bem-estabelecido, e ainda tem que atender os requisitos bizarros de poder viajar no espaço. Quando a gente procura algo assim, acaba caindo nisso: uma versão "envenenada" de um certo processador antigo. É uma pena que ninguém tivesse feito um Z80 que desse conta do recado, ia ser muito legal!... Mas vai de 8085 mesmo.

Os processadores da Spirit e Opportunity (Mars Exploration Rovers, MER) já são uma parada da IBM baseada num tal RSC, e a futura sonda andarilha Mars Science Laboratory (MSL) já usa um processador parecido com o PowerPC G3. De onde eu tirei isso tudo? Claro que foi da Wikipédia, que tem uma página só com essas comparações entre as missões.

Interessante notar a diferença de tempo entre o ano que o processador foi lançado (no mercado) e lançado (ao espaço). O 8085 é de 1977, a Pathfinder saiu 20 anos depois. O RSC é tipo de 1992, e a missão saiu quase 10 anos depois. Já o PowerPC G3 é dos idos de 1997, e a MSL deve ser lançada em 2011, dando aí uns 14 anos de diferença. Se fôssemos manter um decaimento desse tempo, seríamos obrigados a usar uma versão "robusta" de um processador de desktop de, sei lá, 2005, 2004. Mas o que a gente tem a partir daí são os processadores de 64 bits, e os de multi-core... Talvez comece a deixar de fazer sentido pra aplicação.

Mas o clock e o tamanho das memórias mudou bastante, e nisso a tendência deve se manter. A MSL vai ter uma memória flash de 2GB, enquanto a da Sojourner era umas 10 vezes menor. A memória flash, aliás, foi uma das coisas que deu um empurrão nesse projeto. Ela "invadiu" o mercado consumidor foi justamente nos idos de 1995 pra frente, quando as câmeras digitais com memória flash também se popularizaram bastante. Na outra via, de criar memórias flash pra ambientes hostis, a coisa levou mais ou menos o mesmo tempo, até permitir a criação da Sojourner.

Aliás, interessante perceber que ao mesmo tempo em que tivemos a grande popularização das câmeras fotográficas digitais, com sensores CCD no lugar do filme, e memórias flash pra guardar dados, tivemos justamente a criação da Sojourner, que não é na verdade muito mais do que uma câmera digital, com CCDs e memória flash, e mais umas rodinhas e um radinho... É talvez o Zeitgeist.

E qual é o Zeitgeist hoje? Eu te conto algumas coisas... Em meu trabalho estou me concentrando justamente em navegação de robôs por visão. Fiquei sabendo que existem testes pra implementar numa das sondas do MER um chamado "hodômetro visual", visto que o hodômetro real está ficando cada vez pior. Elas também estão fazendo testes com programas mais sofisticados pra localização e navegação autônomos. Vejam que interessante, aquela mesma máquina vai rodar bem melhor, com mais autonomia, porque as pessoas estão fazendo legítimo avanços no estudo do controle de robôs móveis por visão!...

E por falar nisso, vem agora o mais bacana. Eu abri o texto falando das Venera soviéticas. Pois faz pouco tempo apenas (2006) que um sujeito (Don Mitchell) pegou imagens da Venera 13, 14 e outras, e deu uma boa analisada, e reconstruiu umas imagens muito bacanas com base nos dados originais. (Vejam aqui neste artigo.)

Quer dizer, apesar das missões, ainda existia trabalho a ser feito. E trabalho envolvendo computação, envolvendo informática, e resolver problemas de visão computacional, algo que é tema de pesquisa _hoje_.

Ergo, esse foi mesmo o grande lugar da minha geração na história, esse foi o lugar do fim do século XX ao lado dos grandes desenvolvimentos científicos da humanidade... Computação, informática, processamento de imagens, fazer robôs mais autônomos. O resto, mandar foguete pra Marte, já tava mais ou menos dominado. Foi só "plugar o módulo" agora, pra fazer esse tanto de coisa legal que tamos fazendo.

Sim, porque... é muito legal!! Olhem a MSL. Ela tem algumas diferenças básicas com relação às outras andarilhas... É o dobro do tamanho da última (que já era mais que o dobro da outra), e pode consumir muito mais energia. Energia, aliás, que não virá mais de painéis solares, o que infelizmente tira créditos de marketing do projeto, já que os painéis solares, "verdes", certamente deixavam muitos satisfeitos, e usando essa unidade movida a plutônio vai torcer muitos narizes. Mas é claro que tecnicamente nuclear é a melhor solução.

A MSL contará ainda com uma arminha de raio laser. É sério! Um raio laser de alta potência vai ser disparado em pedras para gerar um plasminha, desintegrando ali uns poucos milímetros cúbicos do alvo. Analisando o espectro da luz emitida, dá pra descobrir os elementos constituintes. Claro que dá pra atirar em seres vivos e pessoas também, só não vai acontecer porque não tem essas coisas em Marte (ou tem?)


Este vídeo (muito bonito) no utub mostra aos 2:30 a arminha disparando... Ptiunnn!!... Poderei ver mais um sonho de infância meu se realizar: ver um verdadeiro robô de outro planeta, andando por aí atirando em coisas com seu raio laser, desintegrando-as, criando plasma radioativo!!... Melhor estarem preparados, malditos vorticons!!

2009/05/06


Lista de robôs móveis

Estou estudando robótica móvel. Robôs móveis são quelas maquininhas que parecem carrinhos de controle remoto, e sempre carregam algum sensor como uma câmera ou arranjos de sonares, além de possuírem um computador que o controla e o torna minimamente autônomo, ao contrário de um mero carrinho de controle remoto.

Um dia senti necessidade de ter um bom panorama de todos robôs móveis que já foram ou estão sendo produzidos pelo mundo afora, tanto do meio acadêmico quanto por empresas. O resultado é esta lista de robôs móveis, que hoje estou mantendo no meu wiki pessoal.

Lá você encontra os famosos Khepera, Pioneer, e o popularíssimo Roomba, além do que eu estou querendo comprar, o Surveyor SRV-1.

É curioso ver os menores fabricados também, como o Monsieur da EPSON. Ele possui poucos centímetros de altura e aparece nesta foto ao lado de um filhote de totoro para comparação.



Sugestões são sempre bem-vindas.

2009/04/30


Episódipo perdido

Eu gosto de estudar histórias que tem viagem no tempo, apreciar suas peculiaridades. O Lost tem variado entre me dar medo de desandar, e acabar me agradando.

Esse episódio de hoje, quinta temporada, número 14, foi indescritível. Maravilhoso. Não tenho muito como só falar que foi bom.

Eu precisava então fazer algo, vir aqui e escrever portanto este post celebrativo. Um obelisco virtual de palavras ergo neste momento em honra deste notável episódio.

Olha, talvez merecesse ganhar um prêmio, pela maravilhosa sutileza e grandiosidade do que eles fizeram. Existe um famoso episódio de Star Trek que ganhou um Nebula, eu me pergunto se esse epiódio do Lost, The Variables não poderia ganhar. Talvez impliquem porque não é muito auto-contido, né, como é o city in the coisa of forever, mas cara... Merece muito. Eles conseguiram ver ISSO!... E fizeram! Todo mundo só pensa no contrário, só fala o contrário, só espera o contrário, eles foram lá e viraram tudo de cabeça pra baixo. E era tão simples! Como é que nunca ninguém pensa nisso?

Mudou tudo agora. A partir de hoje vai ser impossível pra mim pensar em viagem no tempo, e histórias e tramas com viagem no tempo, e não me lembrar imediatamente desse final desse episódio com um satisfeito sorriso no rosto, e mencionar "é, sim, mas não se esqueça daquele histórico episódio do Lost hein!"

Ó poetas que fizeram o Lost, Kudos a vocês, de seu humilde e admirado fã, eu.

2009/04/22


Porta aberta, ao transpor-te entrei no céu

Lá vai uma dica para todos ratos de UNIX por aí.

Estava querendo fazer um túnel para permitir a um amigo usar a minha máquina através de um firewall, mas meu cenário é um pouco diferente do normal, então tive uma certa dificuldade.

O ssh consegue criar túneis, com as opções -L e -R, mas pelo que entendi nenhuma delas me atenderia.

Meu problema é o seguinte: estou numa máquina (meu notebook) atrás de um gateway. Eu até tenho IP real aqui, mas o gateway bloqueia tudo pro lado de dentro (é um "firewall" da vida). Eles inclusive bloqueiam conexões de bittorrent e IRC aqui... Gozado que MSN skype funcionam numa boa, ainda não descobri direito porque.

O lance é que eu consigo logar lá no servidor, e executar programas que ouvem portas altas. (Pssst, não digam pra ninguém isso é segredo.) Eu queria portanto dar um jeito de abrir uma porta lá no servidor, e simplesmente redirecionar o que quer que chegue pra minha porta 80, ou 22, e assim conseguir acessar essa minha máquina dentro da "intranet" pelo lado de fora.

Depois de muito penar pra concluir que não é isso que o ssh deixa fazer, e pesquisar em alguns blogs, finalmente cheguei na fórmula ideal. E a solução usa, como não podia deixar de ser, um dos mais maravilhosos programas pra estas situações: o netcat!

Depois que funciona dá aquela raiva, porque na verdade é bem simples. O que a gente precisa fazer é rodar um nc ouvindo a porta lá no firewall, e redirecionar tanto a entrada quanto saída dele prum outro nc que vai se conectar na porta que eu quero na minha máquina.

A dificuldade é fazer esse redirecionamento de entrada _e_ de saída, e ainda acertar a ordem de execução dos processos. A solução minha foi criar um fifo, e usar um pipe. Basta rodar portanto lá no gateway/firewall:

$ mkfifo fifi

E então

$nc -l 31337 < fifi | nc 654.234.654.142 80 > fifi

onde o 31337 é a porta (alta) que você escolher ouvir, e o número críptico é o ip (obviamente inválido) da sua máquina na intranet, seguido pela porta alvo. Neste caso, porta 80, de HTTP.

Agora qualquer browser que apontar para http://www.end.do.meu.servidor:31337 vai ser atendido, indiretamente, pela minha máquina. Não é legal?

(OBS: o título do post é da música do Vicente Celestino.)

ADDENDUM: parece que usando o ssh -R não funcionou só porque falta liberar o acesso da porta por IPs estrangeiros, através de uma diretriz GatewayPorts no arquivo sshd_config.


Cultismos por via erudita, neologismos por via inculta

Mais um testemunho comportamental do contínuo experimento antropológico que é o meu dia a dia.

Ouvi um grupo de estudantes hoje comentando sobre a produção de um certo trabalho em grupo. Um estudante jogou com a maior naturalidade no meio da conversa a frase: "vocês tavam trabalhando tipo tag né, meu?"

Os outros dois estudantes, obviamente, não faziam a menor idéia do que era esta palavra que o paulista utilizou com a maior naturalidade do mundo --- uma das formas de entretenimento favoritas por aqui, sair falando palavras estranhas com toda tranquilidade.

Mas o cara explicou: "É, tag. Tipo, um tá trabalhando, aí vem o outro, e o que tava sai, aí chega o outro..."

Eu não sei onde o cara viu isso, se foi no Slashdot, algum fórum de Ubuntu, vídeo no YouTube ou no Padrinhos Mágicos, mas pra mim é quase claro que ele não tinha idéia do que estava falando. Absorveu a palavra de maneira "sintática", de trás pra frente, quase como um dos papagaios que voam pelo Museu da Casa Brasileira na Av. Faria Lima, e começou a dotá-la de significado próprio, criando um neologismo anglicista aqui no português sem a menor necessidade. Considero inaceitável.

Eu acho que tenho idéia do que ele estava falando, mas jamais vamos poder saber com certeza. Minha hipótese é que o referido tag não passa da clássica brincadeira de pega-pega

Trabalhar tipo tag significaria que cada hora um é o pegador, até que você passa pro fulano, e a partir daí "está com o fulano"...

Então uma piada bacana, que faz todo o sentido, deixou de existir porque o seu mediador não quis fazer o menor esforço em tentar entender direito o negócio. Passou por sabido por usar palavras estrangeiras, mas na verdade é um bobalhão, que não entendeu uma piada interessante, não sabe identificar num certo discurso lido que se está falando de uma brincadeira absolutamente mundana, algo fácil de se traduzir para nossa língua e cultura.

E assim a gente vai despencando pela ribanceira do analfabetismo funcional.

2009/04/17


Trem de doidos

"São Paulo é a locomotiva do Brasil." Uma enorme potência industrial e financeira que é quem bota esse país pra frente. Eles adoram sê-lo por isso, mas recentemente percebi muitas outras formas como São Paulo se encaixa tão bem na visão de uma locomotiva.

Primeiro porque se tem uma coisa que paulista gosta é de pegar um dispositivo bem potente e veloz, como uma locomotiva, e prender a ele cargas altamente inerciais, vagões e mais vagões de carvão. Eles tem aquela mania de correr pra pegar sinal fechado, é um esporte local, tem tudo a ver. Tudo a ver também são os carros esportivos que são vendidos por aqui em lojas exclusivíssimas, e que efetivamente andam pela cidade. É impressionante poder ver uma Masserati ou Porsche desfilando pelas ruas entre os graffitis desbotados e vendedores ambulantes, mas é sempre triste constatar que estes veículos passam a maior parte de seu tempo retidos em engarrafamentos, como todo mundo. A azáfama da carroceria vermelha frustrada pelo simples excesso de pessoas nas vias.

É claro que estou falando de muito mais do que os problemas de transporte. Ô gente boa de criar burocracias sem sentido pra atrapalhar sua vida, e conter o fluxo do seu rio, tornando-o um lago inerte como o Pinheiros ou Tietê.

Na verdade é inacurado falar de congestionamentos e de assoreamento enquanto eu falava de trens. A inércia causada por carga excessiva não é a mesma coisa da inércia causada por um livre caminho médio curto. De fato, se tem uma vantagem em trens é que eles não ficam presos em engarrafamentos, e passam por poucos cruzamentos e curvas. Quer dizer, isso em teoria e potencial, porque na prática os metros de Sampa ficam sim parados porque o da frente não saiu da estação ainda... É triste. Só não é menos triste do que as ocasiões em que produtos ficam retidos para entrar no porto de Santos.

Mas é verdade, trens se caracterizariam por essa possibilidade de poder correr em liberdade. E quer saber? Isso faz parte da cultura aqui em São Paulo. Eles adoram a idéia de existir um único caminho sobre o qual todas pessoas devem andar, uma única reta traçada no solo a ferro e fogo, da qual não se pode desviar um único milímetro, apenas o quanto os amortecedores permitirem. Uma única falha no caminho de ferro, qualquer desvio não-planejado que seja, implica num descarrilamento grave, é morte.

E tem os horários. É pra sair tudo na hora certinha. Eu não critico isso, quem gosta de esperar trem que não saiu ou chegou no horário?

[DIGRESSÃO DESIMPORTANTE]
Mas acho que falta um pouco de cultura de tratamento de falhas por aqui. O trem que atrasou não foi uma "vítima de algum imprevisto com que precisamos lidar", não, ele é "o trem errado que está atrapalhando". É o ponto fora da reta, outlier a ser descartado.

Eles bem gostaria de poder descartar um trem que chegou cedo ou tarde demais, é uma pena que as leis atuais proíbam isso, não permitam tratar veículos do transporte público como tratamos, por exemplo, pacotes IP.

Pra quem não sabe, uma das forças do protocolo TCP/IP, e das redes Ethernet, é essa flexibilidade que existe em podermos descartar datagramas. Qualquer pacote que começa a atrapalhar é simplesmente suicidado, e o barramento de uma rede em estrela é um bafafá onde volta e meia duas pessoas começam a falar ao mesmo tempo, e nessas horas elas precisam educadamente decidir parar de falar, para tentar de novo um tempo mais tarde (escolhido aleatoriamente). Esse problema existe devido ao fato da velocidade da luz ser baixa demais, as soluções são ou fazer isso, ou criar algum tipo de protocolo altamente "burocrático", tipo existe me redes em anel, ou em ATM...

Eu tou falando em redes, na verdade, porque ouvi na cantina outro dia um grupo de alunos conversando sobre redes. Um dos alunos expressou um enorme espanto em saber que essas redes que usamos, que parecem funcionar tão bem, pudessem ser na verdade "puro acochambramento" por baixo, essa coisa avacalhada, sem tabelas de horário, sem rotas pré-estabelecidas e sem "farol" retendo datagramas esportivos ou públicos em cruzamentos aqui e ali.

É uma pena que aqueles alunos, apesar de conhecerem redes em anel, aparentemente desconheciam detalhes de seu funcionamento, gostaria de saber se conhecendo melhor eles não se tornariam adeptos dessas outras redes mais "burocráticas"...

***

É gozado, aliás, essa relação dos paulistas com a aleatoriedade. É algo meio distante da cultura local, como mostra essa estranheza com a política estocástica da rede Ethernet. Outro dia num laboratório tentei ensinar um aluno a apresentar todas entradas possíveis a um circuito eletrônico simulado. A forma de fazer isso é agrupar os bits de entrada num barramento, e mandar o programa atribuir valores a esse barramento de forma incremental. Em outras palavras, "0, 1, 2, 3, 4...". Assim você varre todas as possibilidades.

O que os alunos costumam fazer antes de aprender isso é sair clicando meio aleatoriamente nos níveis, numa certa política estocástica para explorar um espaço que seria, na visão ainda-não-iluminada deles, amplo demais para ser exaustivamente explorado. Engraçado ver que enquanto estou dizendo que paulistas seriam certinhos demais e ignoram o mundo das aleatoriedades, justamente nessa ocasião em que eu prego a mais absoluta ordem e determinismo, eles se sintam bem fazendo o oposto.

Enfim, tentei ensinar como fazer, mas depois de explicar, o aluno continuou falando que eu tinha dado um jeito de gerar as entradas possíveis do circuito "tudo aleatório", como se meu método fosse agrupar aqueles bits e gerar a mais perfeita algazarra informacional, numa eficiência de imprevisibilidade e entropia que seria maior do que os sorteios que ele estava antes fazendo no olho e no dedo (no mouse). ele achou que dei um "boost" na aleatoriedade dele, enquanto que na verdade eu fui na direção oposta, ordenei tudo!

***

[CONCLUSÃO INTERESSANTE]
Aí eu fico pensando: Se São Paulo é a locomotiva do Brasil, o que somos nós, o resto?

Minas é bem conhecida pelas velhas "Marias-fumaça", e por ter mais estradas do que outros estados, com carros, ônibus, jipes radicais, bikes, motos, e também as velhas "jardineiras". Mas serão esses os veículos adequados para a alegoria?

Não, a figura que se contrapõe mais com a locomotiva paulistana ainda a dos retirantes nordestinos, naquele quadro do Portinari...

Eu sugiro um meio-termo entre os nômades da seca nortista, caminhando sem veículos, e as "serpentes metálicas" futuristas do sul-maravilha: é o carro-de-boi!

O carro de boi, é claro, é muito mais lento que uma locomotiva, e jamais se revelaria um método eficiente de transporte para carregar kilos e mais kilos de soja, minério e açúcar até Santos, para entregar aos estrangeiros ricos que precisam deles mais do que nós.

Mas o carro de boi tem as suas vantagens, possui até algumas características que pesquisadores tentam com muita dificuldade dar aos veículos mais modernos.

Eu trabalho com inteligência artificial e robótica móvel. Sei que tem gente por aí se descabelando tentando construir um carro inteligente, capaz de estacionar sozinho por exemplo, ou de se reabastecer de forma autônoma. Fala-se muito em seguimento de alvos também, simples como uma bolinha vermelha, ou complexos como uma pessoa. A passagem da informação de sensores métricos ativos como laser e sonar para a visão é uma ladeira que só hoje estamos terminando de galgar depois de décadas.

Gente! O carro de boi já faz isso tudo!

Tou falando sério, o boi te segue, usando informação visual, ou na pior das hipóteses seguindo a cordinha que vc amarra no nariz dele, algo que ainda nem foi pesquisado com robôs. E ele come sozinho, melhor ainda, ele come a grama que vê no caminho, ou na porta da mercearia enquanto você entrega o leite que a esposa do boi produziu de manhã e toma uma cachacinha.

A gente fica aqui "prevendo" um futuro em que vamos conviver com robôs que fazem isso aí como se já não existissem coisas similares hoje e ontem. Bom, no dia que isso acontecer não vai ser nada de novo, vai ser apenas a "reinvenção do carro de boi", não muito diferente da "reinvenção da roda" de aço ao invés de madeira.

O trem foi a reinvenção da roda, mas melhorada, claro. A roda virou de aço, enquanto que o carro de boi tem rodas de madeira. O carro de boi é barulhento pra burro, e o trem... Bem, o trem é mais barulhento ainda!

Mas agora os trens vão ficar inteligentes, vão poder andar em duas dimensões ao invés de apenas trilhos e estradas. E vão fazer um pouco menos de barulho, e vão interagir conosco realizando tarefas simples, seguindo informações visuais e comendo sozinho. É a reinvenção do carro de boi, mas melhorado, claro. É o "carro-de-boi de ferro", de silício e silicone, mas sem chifres.