2008/02/29


Hacker também é gente

(Hoje eu vim aqui para escrever algo sério, que já não pode mais ser ignorado!)

Só outro dia que finalmente me chamou a atenção uma coisa meio forte, que a gente tá vendo por aí achando super engraçado, mas se você pensar sobre isso vai ver que não tem graça nenhuma.

Eu não sabia, até começar a procurar briga outro dia no meiobit.com, que existe um certo sentimento entre novos usuários de Ubuntu (e outras distros) de querer falar mal de outras pessoas acusadas de serem “usuários xiitas” de Linux (ou “zelotes” se vc for gringo), radicais da “velha-guarda”, cegos e insensíveis e sei lá mais o que. Fazem coisas como, por exemplo, pegar no pé do Stallman, acusando ele e outros micreiros barbudos hippies freaks engraçados de serem responsáveis pelo Linux e o FOSS em geral “não darem certo”. Ainda por cima ficam botando foto de Naruto nos fóruns da vida, e reclamando de qualquer coisinha que os outros fazem de que não gostam.

(Um pequeno parêntesis: estou me referindo a como tem moleque por aí reclamando de uma coisinha ou outra que acontece nesta ou naquela distro, e falando mal de um ou de outro jeito de fazer as coisas. Duvido que quando usavam wimdoms entrassem em fóruns falando mal de como outros usuários de windious trabalham, ou mesmo que enviassem os famosos “relatórios de erros” para a empresa chamada Microsoft, ou que contactassem seus revendedores como os programas daquele dito sistema operacional sempre recomendam fazer. Quando usam software proprietário são perfeitas ovelhinhas. Quando chegam no mundo livre ((o verdadeiro, não o S/A)), onde podem ser ouvidos, começam a tirar foto na frente do espelho achando que são fortes. São pessoas se perdendo no efeito color of the bikeshed sem se darem conta!...)

Essa “nova onda” de usuários de Linux e FOSS se caracteriza por unir pessoas descoladas, alternativas e irreverentes sem profundos conhecimentos em informática, e que também são usuários de computador que não possuem aquelas necessidades profundas e intensas de usuários especializados que infelizmente dependem para viver de software proprietários, como o chamado Adobe Photoshop ou o chamado Autocad. Não possuindo tais amarras, eles não tem muitos problemas em migrar pro mundo Linux.

Estes neófitos se preocupam pouco com detalhes técnicos de como as coisas funcionam por baixo, e muito mais com “usabilidade” dos sistemas. Não querem saber de terminal de texto ou de editar /etc/X11/xorg.conf, quanto mais utilizando o vim, ou o emacs. Este último, além de ser visto como algo inerentemente ruim por ser um editor de texto, seria ainda pior por ter sido criado pelo próprio Stallman, tido como o capeta maior do software livre (quer dizer, noutro sentido, sem ser o capetinha do BSD). E não se limitam a ficar na deles, procurando ícones secretos desenhados em estilo cristalino nos KDEs da vida. Não eles gostam de FALAR MAL de que gosta de trabalhar de qualquer outro jeito diferente. Eles querem mais do que permitir uma interface no Linux mais parecida com o Wirrows. Eles querem que SEJA SÓ assim... Pegam o bonde andando e querem não só sentar na janelinha e conversar com o motorista, mas ainda chutar pra fora as pessoas que estão sentadas no corredor por opção.

O gozado é que essa pessoal tá aí finalmente conseguindo realizar o antigo sonho de “levar o software livre para o desktop”, mas falam mal dos usuários “caretas” e “chatos” com a mesma antipatia que se vinha antes de usuários de SOs proprietários!!... Tipo, antigamente FOSS era coisa daqueles hackers sujos e renegados ali, que eram sujos e renegados por mais outros motivos, e a luta pelo FOSS era apenas mais uma coisa em comum. Agora tem um grupo de pessoas que está usando o FOSS, mas que discrimina os velhos hackers freaks do mesmo jeito!!! São os mesmos winners bullies patetas de sempre, invadindo a cultura que era um dos poucos refúgios dos velhos hackers geeks e nerds, e mandando eles saírem fora do pedaço.

Puxa, antes tudo bem, era cada um na sua, berrando pros outros do outro lado da rua. Mas como alguém tem coragem de ficar falando mal de desenvolvedores livres, e usar o produto deles?

...Alguns desses programadores nerds hackers freaks da vida achavam que um dia iam “dominar o mundo” fazendo programas que todo mundo ia achar legal. Que iam ser os chefes, e “mostrar pra eles”. Ledo engano. Os winnners da nova geração tão chegando com seus 16 aninhos de idade, pegando os programas e chutando a mão que os ofereceu, seguindo a eternamente retornante síndrome do jovem iconoclasta. Os velhos usuários de FOSS debatiam sobre seus produtos serem utilizados por "Joe User" ou por "Aunt Tillie". Jamais imaginavam que eles seriam antes popularizados entre os “Alex DeLarge” das novas gerações.



A coisa que eu só percebi agora, e que mais me motivou a fazer esse desabafo, é como é discriminadora, sem-consideração e injusta aquela campanha bonitinha do Ubuntu. Ubuntu, todos sabem, é uma distribuição cuja característica mais importante, a maior vantagem, é que “é baseado em Debian”, assim como a maior vantagem do OS X da empresa chamada Apple é que ele “tem partes aproveitadas do BSD”. E eu sempre me pergunto, porque ficar com o derivado se vc pode pegar o original?...

A campanha de marketing do Ubuntu gira em torno do slogan "Linux for human beings", ou “Linux para seres humanos” (não sei se é um slogan bacana e bem-bolado, uma frase de efeito que agradaria os l4mm3rtards, que parecem ser tão preocupados com esse tipo de coisa.)



Tipo. Não tem dúvida de interpretação, todo mundo sabe o que isso significa: seria que até chegar o Ubuntu, a distro super-mouse salvadora, as outras distos seriam difíceis, ruins, capengas e mal-acabadas, e ainda: seriam utilizáveis apenas por pessoas que não são seres humanos.

Tem ofensa maior do que isso? Falar que uma pessoa não é um ser humano? Que é alguma espécie grotesca de monstro abominável, criatura Frankensteiniana, um Shubb Nigurat ante-diluviano?

Acaba que essa campanha extremamente ofensiva e insensível representa tudo isso que está me revoltando. O pessoal está aí realmente popularizando o Linux e o FOSS, mas os esquisitos que criaram isso tudo continuam sendo discriminados. Eu sinto até que tava começando a ter uma onda de achar ser nerd legal, porque tem tantas coisas legais que eles fazem que estão começando a fazer parte da vida de todos. Mas agora agora o Ubuntu conseguiu separar as duas coisas!!... Ufa!!, pensam os n00btardeds, já posso voltar a falar mal desses loosers, e finalmente usar tranquilo esse tal desse Linux aí.

Empresas grandes e famosas de tecnologia, como a Micro$ofp, a Apple, a IBM, a HP e sei lá mais quem, tem todas em comum o fato de “encapsularem” seus engenheiros. Seus produtos parecem caídos do céu, só quem lida com os clientes são marqueteiros, comunicadores sociais, publicitários, políticos et cætera. O pessoal do Ubunto tava sentindo que faltava fazer isso. Jogar no porão os engenheiros, devolvê-los para aquele poço insano onde não entram seres humanos, e transformar finalmente o Linux em mais um produto que vem numa caixinha bonita e confiável, sem os horrores inomináveis e não-euclideanos sonhados por aquelas mentes obscuras e aterradoras que são os programadores não-humanos de computadores...

E nõs, pesquisadores de inteligência artificial (o RMS era um), achando que ainda faltava muito até vermos os primeiros programas feitos por entidades que não fossem seres humanos.

Primo Levi, um químico nerd italiano que teve a infelicidade de viver numa era onde nerds eram ainda mais duramente discriminados e repreendidos, já perguntava se a sociedade o estava tratando como um homem: escreveu o livro “É isto um homem?” sobre suas experiências com um certo tipo de gente que falaria mal do Stallman se tivessem nascido 50 anos depois. (Vejam bem, eu acredito que existe bem mais de um tipo de gente que falaria mal do Stallman, o livro de Levi é só sobre um desses vários tipos de pessoas, homens humanos, que o fariam e fazem.)


Levi ainda tinha dúvida. E há que se ter dúvida mesmo, existem muitas formas de discriminação, e uma das coisas que diferenciam elas é o quanto que a parte discriminadora considera a discriminada como humano. Alguns discriminadores só querem colocar certos colegas humanos à parte, por serem uns mais iguais do que os outros. Outros já falam em menosprezar pessoas “sub-humanas”... Alguns fazem pior, não dão nem a graça do relativo “sub-”, mas apenas desqualificam em sua totalidade, como no caso do Ubuntu, e remove do discriminado mesmo qualquer menção à possibilidade arrogante de se considerar um humano.

Isso tudo que eu escrevi não é piada não. É só rir pra não chorar.

3 comments:

Anonymous said...

Gostei do texto.
Olha, concordo com você. Apesar de usar Ubuntu :)
Acredito que distros como o Slackware tenham o seu valor, mas acredito sim que o uso de um sistema operacional (seja ele livre ou proprietário) deva ser mais simples para aqueles que assim desejarem.
Particularmente, depois de um dia cheio de estudo e trabalho, eu quero sentar no computador e que tudo Just Works (TM) :). Por isso, o Ubuntu. Sei que se rodasse o Slack (ou se compilasse minha distro na mão, por exemplo) teria uma máquina mais eficiente, mas não ligo. A maioria das pessoas não ligam. Viva o direito de escolha.
Agora, dizer que os hackers estão errados, não mesmo. Vou inverter seu exemplo do ônibus, mas como diria Romário "Mal entrou no ônibus e já quer sentar na janela?" :D

Nicolau said...

Eu até simpatizo com Ubuntu. Quando minha namorada comprou uma máquina nova convenci ela a instalar, pra gente ver “qual é” a dessa distribuição tão falada... Tivemos alguns problemas de sempre, mas eu concordo que tem suas facilidades, vem alguns drivers a mais instalados, e tal...

Eu falo mal de slackware mas não acho que quem usa tem que parar de usar não... Acho bom que alguém esteja usando!... E tem mais, volta e meia eu tenho algum problema, e encontro soluções em fóruns tanto de debian quanto de slackware quanto de ubuntu. E que eu saiba todos queremos a mesma coisa, que é o que vc disse, que as coisas Simplesmente Funcionem!!...

Mas parece que tem gente que quer que não só as coisas funcionem na casa delas, mas ainda que na casa dos outros funcionem do mesmíssimo jeitinho, porque não concebem que os outros 5.999.999.999 de habitantes do mundo pensem de maneiras diferentes.

Se eu digito “eject” pra abrir meu CD, e Simplesmente Funciona, qual é o problema, saca?... Todo mundo tá feliz todo mundo quer cantar!...

As pessoas deviam parar de ser inimigas comparando coisas que funcionam, e ser mais amigas se ajudando com coisas que não funcionam. As falhas que existem nos nossos roteadores, protocolos e provedores de Intenet, por exemplo, são problemas técnicos que afetam os usuáriso de todas distros e todos sistemas operacionais por aí, até aqueles que se questiona se são mesmo SOs ou se são apenas bugs gigantes.

É a velha história: “Como voces podem estar se preocupando com isso enquanto tem gente passando fome no nordeste?...”

Nicolau said...

...E obrigado pela participação! :)