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2009/06/20


A grave representação do voto, e o desagravo da greve democrática

As pessoas gostam muito de falar em representação em conversas sobre política. Dos legisladores esperam-se certos comportamentos porque "eles são nossos representantes". Quanto ao presidente discute-se se representa apenas seus eleitores ou uma maior parte ou mesmo toda população e pátria. O presidente de uma nação parlamentarista e seu primeiro-ministro constituem ainda outro problema. Já o judiciário nem é bom lembrar, ainda mais numa nação tão distante de eleger juízes como o Brasil. Algo um pouco menos distante, gosto de pensar, de pelo menos podermos eleger reitores de universidades.

Faz algum tempo que a questão tem me incomodado. Agora recentemente tenho ouvido falar muito em outro tipo de representação na política. Discute-se sobre grupos de pessoas reunidas em assembléias representam toda a população relacionada. Atualmente tenho visto com muito estes argumentos por causa dos movimentos grevistas na USP. Assembléias da ADUSP decretam lá greve com uma ou duas centenas de professores, enquanto os filiados seriam mais de mil. Organizações estudantis, que de fato podem se dizer os representantes "de jure" de todos alunos, na prática reunem frações muito pequenas do número de discentes das instituições de ensino. Debate-se então a tal "legitimidade" das decisões.

A verdade é que toda essa questão da representação é muito pouco pensada e muito mal-contada. E o principal motivo é a questão das votações, mais especificamente a forma mais comum de votação, a por "maioria simples", mais forte ainda quando trata-se de uma questão binária qualquer.

Votações desta forma fazem surgir a famosa "maioria", que nas ocasiões mais mundanas têm sua opinião empurrada goela abaixo da "minoria", que se torna vítima da infame "ditadura da maioria". A visão mais ingênua do que é democracia é isso aí. Votações majoritárias onde a maioria decide tudo e a minoria fica chupando o dedo.

E quando os votantes "representam" alguém, há toda essa idéia implícita de que se cada um dos representados estivesse lá, votaria igualzinho, e o resultado da eleição seria o mesmo desconsiderando problemas com o peso maior que deveria ter um representante de mais pessoas (e que na prática se resolve com mais assentos pro partido num congresso, etc).

Só pensando bem sobre o assunto a gente vê que não pode ser só isso. Democracia não é a ditadura da maioria, democracia é não só essa votação onde continuamente uma minoria pode se manifestar, mas é o processo alheio às votações. Democracia é todo mundo, mesmo que da minoria, poder falar numa reunião, por exemplo.

Democracia não é, portanto, decidir em votação de maioria simples qual é a opinião que "representa" o conjunto da população governada. Isso daí é uma coisa feia que a gente faz porque sente que não tem outro jeito.

Da mesma forma eu questiono a idéia de representação em geral como democrático. Os tais representantes existem por um questão de logística, e mesmo pela questão de que ninguém tem tempo e paciência pra se dedicar à atividade política tanto quanto é necessário em nossas vidas. É uma limitação imposta sobre o que realmente é democrático, que é na verdade o que é a tal anarquia: as pessoas vão se governando ali, localmente, e pronto.

Porque não faz sentido pra mim que uma pessoa de uma cidade, que quase nunca sai dessa cidade, realmente se importe muito em como uma certa li funciona em alguma cidade a mais de mil quilômetros de distância. Porque haveria de ser democrático o voto de um infeliz num extremo de um país carregar uma opinião que vai atazanar a vida de alguém que ele jamais vai conhecer ou influenciar de outra forma?

Imagine por exemplo um deputado votando sobre questões famosas como o casamento de homossexuais, aborto e pesquisa em células-tronco... Porque isso realmente tem que ser tão global? Qualquer um de bom-senso vai concordar que democrático é que uma coisa dessas fosse decididas apenas mais localmente. Isto só não ocorre porque queremos ter menos trabalho com debates, e queremos simplificar a burocracia do mundo, então botamos um monte de gente sob um mesmo "guarda-chuva" de um governão. Mas isso não é democrático, isso é uma infelicidade que nos torna mais afastados do verdadeiramente democrático.

Então não me venham com conversas acaloradas sobre quem representa quem. O que importa é cada um o que pensa, a vida de cada um. Não tou falando de "o voto de cada um", eleição não é algo democrático. Tou falando da vida de cada um mesmo. A pluralidade de opiniões e culturas e costumes. Esse é o mundo real.

Representação é só isso, é uma pecinha de teatro, é ficção. Votação é um resumo de orelha de um livro, escrito por um editor que só quer saber de vender. A democracia é a vida nossa aqui no mundo real, aqui na terra. Democracia é a cortesia com seu vizinho. É o respeito por membros de minorias sem nem ter idéia de quantos mesmo são as pessoas do grupo ou grupos em que essa pessoa possa se classificar, e dos grupos alternativos que relativamente podem formar maiorias e minorias.

Meu respeito à greve é a cada um entrar em greve ou não. Existe toda uma preocupação sempre sobre quando é decidida uma greve por uma assembléia, seja por pessoas das "folhas" da grande árvore de hierarquia administrativa, seja por representantes... Eu quero saber é da greve de CADA UM. A greve certa é aquela em que nem há votação nenhuma, a greve EMERGE de um grupo descontente.

Não vejo com os costumeiros maus-olhos que existem as pessoas que vão trabalhar enquanto "foi decretada" uma greve. Decreto não é bem o instrumento menos ilustre dos governos? A greve tem que vir de baixo.

Se um único funcionário de uma empresa resolve entrar em greve porque algo o incomodou, eu respeito. Acho que deviam haver leis quanto a isso. Eu pessoalmente sou esse cara por vezes sensível demais, passível de ficar muito chateado com algumas coisas que muitas outras pessoas, talvez "a maioria" das pessoas nem liga. Quero entrar em greve se descubro que uma maioria de pessoas maldosas em minha empresa gosta de praticar algum ritual bizarro como comer gatinhos vivos com as mãos no fim de semana. Pelo menos até passar o choque da descoberta e eu me convencer a democraticamente conviver com essas pessoas.

E aí entra outro ponto importante da democracia. A vida em sociedade só se torna possível quando você aprende a respeitar e tolerar quem não pensa necessariamente igual a você. Esse é o cerne da democracia, por vezes substituído lá pelo conceito das votações majoritárias por representantes das pessoas... Fazer isso é virar tudo de ponta-cabeça.

Enfim, respeito quem entra em greve, hajam ou não decisões de assembléias de muitas ou poucas pessoas.

Respeito igualmente, e o leitor mais perspicaz imaginava que estava vindo pra esse ponto muito importante, o famoso "fura-greve", aquele cara que vai trabalhar apesar de haver algum colega, ou vários colegas, um uma maioria de colegas, ou TODOS outros colegas trabalhando.

Deixa o cara trabalhar, uai. A vida é isso aí, cada um fazendo coisas de acordo com o que lhe dirigiu sua moral. Falem mal, mas não encham o saco. Não batam, não bloqueiem, nem puxem.

Essa conversa de sei lá quantos representantes apoiar greve enquanto sei lá quanto não apoiam, e sei lá quanto estimados estão de fato em greve e sei lá quantos outros não estão entrando efetivamente em greve, enquanto sei lá quantos outros nem tão sabendo da história, isso é tudo o tal mundo da ficção anti-democrática.

Cada um vai pro trabalho ou vai deixar de ir. Cada pessoa vai acordar de manhã e tomar uma decisão soberana. Vai ouvir jornal, vai ler carta de amigo, vai ler fórum em comunidade do Orkut, e vai ver se entra na greve ou não.

É assim com votação também. Depois de uma votação existe uma decisão sobre se a pessoa vai seguir o resultado da votação ou não. Essa fidelidade automática que se assume nos momentos antes da votação é coisa que só acontece mesmo entre amigos, pra votar bobagens tipo amigo-oculto no Natal.

Então chega, por favor, de debates vazios sobre quem representa quem, quem votou em o que, e quem foi que "traiu" o movimento, e quem tem "legitimidade" pra decidir a vida dos outros... A tirania dos dirigentes de sindicatos é pior do que a dos patrões, porque se veste em pelego de cordeiro.

2007/04/10


Reengenharia da desengenharia

É impressionante a quantidade de desinformação que se encontra a respeito de engenharia elétrica por aí. Outro dia foi o cara que eu vi que fez um applet em java complicadíssimo, mostrando como o ponto de palhetada afeta o som de uma corda vibrando, e a equação tava errada (não era simétrica).

...Agora é projeto de transformadores. Perguntei prum professor meu como projetar um transformador, e ele me passou a equação básica "receita-de-bolo":

E = 4,44 * beta * f * Np * Al

Tensão do primário é proporcional ao campo máximo que o material agüenta antes de sobrecagrregar (dando a famosa curvinha de transformadores), número de espiras, freq e área de corte do núcleo.

Ora bem, ele me perguntou a tensão que tava lá, e eu disse "5V..." Ele tascou lá, e eu falei "mas é de pico, hein!" e ele ficou meio confuso, falou: "não, é valor eficaz!..." Ele tava tão esperando o valor eficaz, que demorou pra simplesmente tascar um raiz de dois ali embaixo. Eu tive que insistir: "essa é a tensão lá de alimentação do meu circuito, é o de pico". Depois pra calcular o sqrt(2) * 4,44 ele catou uma calculadora pra achar o resultado, um certo 6,28.

Pois bem, achei um site na Internet que tinha essa fórmula aí tb... O site fala coisas absurdas como "Um Henry significa que se vc colocar um volt num indutor desse valor, depois de um segundo, vai ter um ampère passando." Oras, isso é obviamente mentira. Teria um apère se fosse mantida a mesma velocidade de crescimento da corrente, o que não ocorre, é um crescimento exponencial (mas exponencial decrescente de cabeça pra baixo, e não aquela que freqüenta a grande mídia).

Ele repete isso umas 3 ou 4 vezes no site, sem jamais deixar claro que isso é só "a idéia". Eu suspeito que talvez o cara não saiba que isso é mentira. Americando não sabe porra nenhuma de engenharia elétrica!! :P É cheio desses broncos que fazem as coisas "do jeito prático". Convenhamos: quantos nomes de unidade de medida de elétricidade são americanos??... O próprio Henry... Quem mais? O velho Frank, coitado, não virou nada. Ben que podiam inventar uma unidade de medida de para-raicidade.

Enfim, no site o cara tb fala que o 4,44 vem de uma certa conta que tem que fazer assim: "a saturação do meio magnético é pros dois lados, então tem que multiplicar o beta por 2" (!?). Depois: "não é o valor eficaz que importa para considerar-se a saturação, mas sim a média da onda, então consideramos apenas o que acontece em metade do ciclo, e blablalba, então multiplica por dois de novo" (???!!!) e por fim: "estas aproximações todas são muito pessimistas, e podemos no final, no caso duma senóide, seguramente considerar mais um 11% a mais" (!?!?!?!?!??!?!) E ainda tem um papo de "fator de forma" de sei lá o que.

Agora finalmente voltei num outro site que mostra o que eu tava suspeitando. Isso tudo é uma pataquada sem limites. A porra do 4,44 é na verdade simplesmente um 2*pi/sqrt(2)!!!!!!! pode conferir que o número místico que meu professor calculou lá com tanto custo (ele demorou pra achar a calculadora) é na verdade 2*pi.

Lembrando que pi = 3,1415926535897932384626433832795028841972 (arrendondando-se a última casa pra cima), e 2*pi = 6,28... O "tal" 6,28.

Gente do céu, como pode uma coisa dessas perdurar desse jeito??? Porque ninguém pode dar a fórmula com "2*pi"?!?! Se fosse uma "apostila para técnicos" eu até perdoava, apesar de não achar correto. Mas no meio acadêmico não pode, né!!!

***

A fórmula "na verdade" é fácil de deduzir (pra quem sabe alguma coisa de eletromag)

A tensão no primário tem amplitude igual a E, f(t) = E * sin(2*pi*f*t), valor eficaz E/sqrt(2)

A ddp numa bobina, é naturalemnte E/Np (amplitude)

A integral dessa DDP no tempo dá o tal "fluxo magnético", logo INT[ (E/Np) * sin(2*pi*f*t) ] -> W = (E/Np) * cos(2*pi*f*t)/(2*pi*f)

Esse fluxo divide-se pela área pra achar o campo máximo em Teslas, que se dá no ponto de campo igual a zero, e derivada no tempo do campo em sua intensidade máxima (a amplitude, fazendo o cos = 1). Assim temos

beta = [ (E/Np) * 1/(2*pi*f) ]/Al
E = 2*pi*f * beta * Np * Al

Se entrarmos com o valor eficaz do lado de lá, precisamos compensar dividindo por raiz de dois do ladecá (algo nada natural)

E = sqrt(2) * pi * f * beta * Np * Al

Pronto, tá aí a receita de bolo. Mas no meu livro de receitas eu faria questão de explicar que aquela constante não é nada misterioso, mas apenas uma agloemtação de constantes matemáticas ubíquas e absolutamente mundanas pra atividade cotidiana dum engenheiro eletricista (título aliás escrito em meu diplominha que tive a felicidade de receber noutro dia.)

E é isso. Divirtam-se agora fazendo transformadores para gerarem perigosas correntes de mais de 1 ampères em fios de níquel!...

Aqui vai o site que fala a Coisa Real: **site**