2008/06/30


Objetivando Einstein

Nada marcou mais a cultura estadunidense do século XX, e de tabela a nossa, do que aquele alemão chamado Albert, e aquele austríaco chamado Adolf. Ambos são hoje símbolos marcantes que significam para as pessoas mais do que qualquer simples pessoa pode significar para alguém.

Estes dois ícones foram e estão sendo continuamente sobrecarregados de significado, estão sempre portanto contribuindo para que ocorram conversas altamente subjetivas, extremamente livres a interpretações. Quanto mais diferentes pessoas atribuem significado a estes dois aí, mais o que se fala sobre eles fica ausente de significado, devido ao desacordo e subjetividade.

Por exemplo, imagine quando numa conversa qualquer alguém sugere que uma certa ação apoiada por alguém também teria sido apoiada por Hitler. Isto basta para acalorar a discussão e para que pessoas se sintam ofendidas, apesar de que ninguém tem muita certeza do que é que realmente se está falando.

O mesmo acontece com Einstein, mas com ele é um pouco diferente porque ele é geralmente visto como um cara legal, então ninguém se ofende, mas apenas se sente elogiado. As discussões evocando a figura de Einstein ficam acaloradas menos porque os comparados a ele fiquem ofendidos --- ficam é lisonjeados e se sentindo não-merecedores, enquanto os não-comparados ficam com inveja.

Einstein é então esse ícone que ninguém sabe bem o que significa, é uma lenda, um símbolo que ultrapassou a muito a pessoa. Eu já não gosto dessas coisas com qualquer personalidade, com mas com ele é pior porque se trata de um cientista, e eu desejaria que cientistas fossem menos suscetíveis a esse tipo de irracionalidade.

Senti que há um pouco dessa visão subjetiva e pouco científica de Einstein no artigo "Avaliação objetiva (?) da pesquisa", de Marcelo Viana, que li no jornalzinho da SBPC. Lá o autor pergunta se Einstein receberia financiamento do CNPq, e como leitor senti que seria uma forma de crítica ao sistema, em cujos critérios o genial cientista não se enquadraria em certo momento de sua vida.

Aí eu pergunto, qual exatamente é esse critério, e qual seria algum critério ou apenas "justificativa subjetiva" que daria a Eisntein a parte que lhe caberia deste latifúndio?

Sinto que o artigo se baseia um pouco numa idéia de que Einstein mereceria rios de dinheiro em toda sua vida. Não creio que isto seja certo.

A obra-prima de Einstein, um trabalho que um governo gostaria de ter financiado, foi um conjunto de artigos que ele publicou em meados de 1905 enquanto ele trabalhava em um escritório de patentes. Depois dessa época (quero dizer, BEM depois, mais de 10 anos depois), ele pode ter continuado um cientista bacana, uma pessoa inteligente brilhante e dado bons palpites em um problema ou outro, mas não fez mais nada tão "mirabilis" quanto aqueles artigos ali.

Depois de vencer seu Nobel em 1921, Einstein eventualmente se mudou para os EUA, onde trabalhou em Princeton vivendo mais como um meio-aposentado bacana do que como um cientista em busca de realizar (ainda mais) grandes coisas. Teve pouquíssimos orientados (se algum), publicou pouquíssimos artigos e livros. Porque haveria o CNPq de sua época e local se preocupar em beneficiá-lo com grandes verbas para pesquisa?

(nota: talvez um critério mais sofisticado mostre que os poucos artigos de Eisntein tenham sido muito citados, ao longo de toda sua vida. Gostaria de ver os números.)

E quanto aos físicos experimentais que comprovaram suas teorias todas? Cada um daqueles artigos ali deu origem a coisas como um ou dois experimentos cruciais, históricos no desenvolvimento da física. Uma vez que Einstein fez seu trabalho, o CNPq correlato deveria se preocupar é com financiar esses experimentos, e não mais o Einstein (a não ser que eles indicasse que haveriam mais mirabilis pra tirar da cartola). Tem que financiar os testes de efeito foto-elétrico, movimento browniano, lentes gravitacionais, interferômetros e raios LASER da vida. E até onde eu sei Einstein não importou muito em liderar ou participar ativamente destes experimentos. Porque deveria então o CNPq conferir a Einstein a verba que deveria ser destinada a estes experimento, se não seria ele o cientista a finalmente pegar no facão pra cortar o mato e desbravar definitivamente estas novas searas?

Não. Einstein não teria porque receber grandes volumes de financiamento no período mais tardio de sua carreira (leia-se: depois de 1905, seus últimos 50 anos de vida). Se os critérios do CNPq hoje são tais que isso ocorreria, então eu apóio eles. (A não ser que estejamos falando simplesmente de manter um professor emérito numa universidade, batendo papos cabeça com Gödel, isto ambos sem dúvida mereciam.)

Devemos sempre buscar evitar dar financiamento a cientistas apenas porque eles fizeram trabalhos notáveis no passado, que eventualmente os tenham dotado de prêmios suecos, finlandeses ou o que seja. Não digo que se um cientista ganhou, ele não deve mais ser financiado, não é isso... Temos que evitar a politicagem, dar pouca chance às panelinhas e tomadas de poder.

Querer dar dinheiro pra Einstein em 1930 por causa de seu trabalho de 1905, e porque ele é super legal, é politicagem. É beneficiar seus amigos e ídolos porque o são, ao invés de fazer uma avaliação fria de onde o dinheiro seria melhor aplicado. É escancarar os portões à fisiologia.

Aposto que Einstein ficaria feliz em repassar qualquer verba (ou boa parte) que ele recebesse do CNPq para outros cientistas que ele sentisse que fariam melhor uso dela. Mais do que isso, aposto que ele ficaria feliz se um ou dois amigos dele o ajudassem a tomar a decisão de pra onde ele mandaria esse dinheiro.

É meio infeliz pegar Einstein como exemplo de cientista que não teria recebido um dinheiro que mereceria. Não sei se Einstein recebeu alguma verba especial da NSF durante sua estadia em Princeton, por exemplo, e o CNPq não estaria replicando este acontecimento. Um melhor exemplo de cientista teórico que não recebeu dinheiro e reconhecimento quando merecia, foi Boltzmann. E este foi sim uma grande vítima de critérios de financiamento subjetivos. Esse foi um que deve ter deixado de ganhar alguns mangos porque o governo deve ter preferido financiar Poincaré ou qualquer amigo dele, do que simplesmente avaliar seu trabalho e dizer "puxa, tão metendo o malho, mas ele tá trabalhando, tá produzindo, vamos deixar mais um tempo pra ver se não é só uma cisma boba desses cientistas, ou se ele é mesmo um picareta." Não era.

Não entendam aqui alguma espécie de crítica minha a Poincaré. Adoro ele. Minha crítica é às pessoas que deixam brigas no mundo acadêmico afetarem tão drasticamente o destino de um homem. A gente tem que se preocupar menos em saber se o CNPq financiaria um Einstein ou um Poincaré tupiniquins contemporâneos, e mais se o CNPq deixaria de financiar um novo Boltzmann.

Agora falemos um pouco de cientistas experimentais que precisaram e mereceram financiamentos especialmente vultosos: Lord Rayleigh, Lord Kelvin, Rutheford, Thomson, Fermi, Faraday, Oswaldo Cruz, César Lattes. Temos que discutir também esse tipo de trabalho, e não falar apenas de Einstein. Isto é simplificar demais a questão. Esse tipo de pesquisa representa um gasto maior, e é mais difícil de alocar. Porque estamos então falando apenas do velho Albert??

E por aí vai.

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