2008/06/02


A insustentável familiaridade das coisas, e a eterna estranheza dos seres

Tudo que é muito novo parece estranho. Do contrário não era novo. Quanto mais novo, mais estranho, e se algo novo é facilmente compreendido, é fácil de deixar de ser estranho, quer dizer que não era tão novo assim. Isso tem a ver com teoria da informação.

Por outro lado, conforme as coisas vão ficando velhas elas também vão ficando estranhas. Vá lá, algumas coisas são antigas, mas permanecem "atuais". Outras ficam démodé, se tornam ultrapassadas, são paulatinamente esquecidas pra valer... Às vezes até numa velocidade espantosa, especialmente quando substituídas por alternativas.

Assim, tudo o que familiar é velho o suficiente pra ter sido "assimilado", mas novo o bastante para permancer atual. Nossa cultura geral é basicamente constituída por essas coisas nem tão velhas e nem tão novas. E cada coisa descoberta segue esse ciclo de vida... (Às vezes podendo ser redescobertas, às vezes inclusive com nomes diferentes.) Mas tanto coisas muito novas quanto muito velhas são estranhas.

Isso explica, por exemplo, meu gosto por estudar história. O que eu curto não são simplesmente novas tecnologias, ou como dizia no meu inesquecível guia de inscrição no vestibular da UFMG: "A arte de lidar com a tecnologia de ponta". Eu gosto é de estudar coisas que me parecem estranhas, até elas deixarem de sê-lo, sejam novas ou velhas. (Claro que às vezes é mais fácil estudar a velhas, porque sempre sobra uma certa influência.) Na verdade eu gosto de estudar qualquer coisa, mas as menos estranhas são inerentemente mais fáceis e menos interessantes, requerendo menos tempo e trabalho, e recompensando menos.

Tava pensando nisso por causa desse livro do 2600 que mencionei antes. No livro existem diversos artigos escritos quando as tecnologias ali estavam chegando. Eram portanto coisas estranhas, sendo estudadas pelos hackers buscando desvendá-las. Hoje, não muito mais de 20 anos depois, muitas destas tecnologias novas, que eram estranhas na época, são hoje estranhas porque se tornaram obsoletas. O sentimento de um hacker jovem que ler o livro vai ser sem dúvida diferente do velho, que desbravou a tal tecnologia, mas existe algo em comum, existe um sentimento de "descoberta", seja como engenharia, ou seja como arqueologia.

O mais engraçado é o curto espaço de tempo: em 20 anos essas certas tecnologias logo passaram de novas para velhas. Só não foram estranhas por um período muito curto da vida delas, e mesmo assim para muito poucas pessoas. Tem coisas ali que foram e sempre serão consideradas estranhas para a grande maioria das pessoas, em qualquer época, porque nunca foram devidamente assimiladas antes de se tornarem obsoletas.

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Outro dia tava assistindo NatGeo, e passou um programa de dois caras que saem viajando pelo mundo aprontando altas prezepadas, fazendo projetos para demonstrar a viabilidade de fontes ditas “alternativas” de energia. Aliás, nos Estazunidos tem acontecido muito isso ultimamente, a produção de programas de TV buscando fixar bem na mente das pessoas que qualquer coisa diferente de petróleo e carvão são fontes alternativas de energia, e não fontes de energia iguais a quaisquer outras.


Pois bem, umas das coisas que os caras fizeram foi ir lá na Espanha (um dos países que mais investe em energia eólica hoje, e a terra do Dom Quixote que lutava contra moínhos-de-vento), e ensinar prum fazendeiro lá como fazer um cata-vento pra puxar água de um fosso pra dar de beber às suas rezes. Os caras montaram um, estilo estadunidense (daqueles redondinhos) todo de metal (!), fizeram o processo todo parecer muito difícil e desafiador, e ainda falaram uma porção de conceitos errados (em especial falaram que a bomba precisa fazer uma pressão pra baixo pra fechar a válvula, enquanto que a válvula fecha-se naturalmente pela pressão do desnível entre a água sendo puxada e a fonte.)

Mas no final, conseguiram fazer a bomba movida pelo vento.. Demonstraram o uso dessa tecnologia mais velha do que a Sé de Braga, e mais confiável. Os caras ficaram absolutamente surpresos, estupefatos, exclamando “uau! Olha só conseguimos reoslver o problema sem utilizar nem combustíve nem energia elétrica!!”

Quer dizer, é nesse mundo que estamos hoje. Qualquer equipamento que não funcione movido por combustível (especialmente no Estazunidos que não tem o potencial hidro nosso, e nem depende muito de nuclear) e ainda que não utiliza energia elétrica, é visto como estranho. Porque na cabeça deles isso “ficou pra trás”.

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Tem gente que vejo na escola de engenharia que chega a encarar com certa suspeita sistemas de controle que não são baseados em microcontroladores, com programinhas que tratam apenas de digitalizações de sinais. Coisas analógicas já são lá vistas por algum com desconfiança e estranheza, ainda mais se não forem baseados em amp-ops, mas sim transistores antigões, BJTs. Válvula então nem pensar. É certo que elas possuem desvantagens terríveis, mas nunca podemos nos esquecer de que elas funcionam, pôxa vida!...

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Por uma caso esse assunto todo tem a ver com esse texto muito engraçado que Lia recomendou agora a pouco no Twitter!... :) (e um outro post relevante da mesma.)

3 comments:

Anonymous said...

Foi a Helena não, chuchu :)

FOOOODA, né?

Essa coisa da obsolescência (opa) das coisas em tão pouco tempo me deixa boba. O post que fiz no meu blog essa madrugada é bem isso: os disquetes eram TÃO modernos e hoje em dia é muito raro alguém ainda usar.

Sinistro. Isso não faz NEM DEZ ANOS.

Nicolau said...

Foi mal, Lia!... Que vacilo! :)

Poisé, disquete teve seu auge e hoje é tipo uma coisa engraçada. Mas foi uma coisa que marcou tanto minha infância... Hoje em dia sempre que eu vejo um fico lembrando "daqueles tempos". Me lembro por exemplo da transição que teve nos programas, em que o símbolo de "salvar arquivo" passou de um disquete de 5 pra um de 3 polegadas!...

Nicolau said...

Pra constar, o post lá no blog da Lia:

aquiiiii