2008/04/26


Ensuiçando o espresso italiano

Café, todos meus leitos mais assíduos tem que saber, é uma bebida cujo consumo e produção começaram ali no mundo árabe, ao sul do Mar Vermelho. De lá tomou o mundo. A produção do café hoje se concentra, além do Brasil, no sudeste da ásia, principalmente Vietnã. Já o consumo, se concentra na Europa e nos Stazunis. Esse café do Vietnã é quase apenas o tal coffea canephora, que é um cafezinho meia-boca, mais barato e portanto apropriado pra comprar em grandes quantidades, e misturar em coisas como cafés solúveis fajutos, bolos e chocolates... Aqui e em outros lugares eles chamam de café “conilon”. O café “de verdade” é o coffea arabica.

Justamente porque fiquei sabendo outro dia desses dois tipos de café, venho então prestando atenção no tipo e procedência de cafés por aí... Aí quando ouvi falar do tal Nespresso, que abriu um aqui em São Paulo, lembrei disso na hora, porque um dos maiores compradores de café conilon é justamente a Nestlé.

O Nespresso está com uma campanha de marketing daquele tipo maaais picareta, tou adorando!! E uma coisa que eles falam muito é sobre como que eles trabalham com grãos “selecionadíssimos”, “exclusívíssimos”, e o mais importante, trazidos “dos mais tradicionais produtores de café”.

Exemplo de frase do marketing deles, tirado desse site:

Nespresso is not just coffee. It is another dimension in the world of coffees.


Outro exemplo interessante, daqui:
A rede suissa de cafés de luxo Nespresso, chegou ao Brasil trazendo um novo conceito em cafés.


Então formei imediatamente na minha cabeça uma idéia de que no cardápio deles teria assim, dividido por procedência: “Café da Etiópia”, “Café com mofo da Colômbia”, “Cafézes dos gatinhos da Indonésia”... Qual o que. Chega lá, tem lá as variedades, e tem escrito em todos lugares que os cafés vêm “dos mais diversos exclusivos e tradicionais produtores”. Mas só o café “exclusivo da temporada” é que eles dizem que vem de Papua Nova Guiné (aquele país que divide com a Indonésia uma das ilhazinhas ao norte da Austrália). O resto não se diz de onde é não!!... Cheguei lá achando que ia fazer piada falando “Quero um café de Minas Gerais, por fazvor”, ou que ia experimentar o famoso café colombiano que nunca tomei, mas nada. Tomei lá um café com um nome italiano bizarro metido qualquer, sem qualquer pista de ser um café brasileiro, tailandês, ou mesmo de talvez ser um café conilon vietnamita!!

Cheguei achando que fosse só teoria da conspiração que talvez quem sabe pudesse haver uma graminha de café conilon ali, e que se tratasse mais de prezepadas de marketing do que realmente produtos gourmet de alta qualidade. Achei que me fossem provar se tratar mesmo de estarem buscando cafés específicos em diferentes remotas terras, cuidando de pequenos produtores locais, como se fossem um shopping center de vinhos finos... Mas não vi nada que me comprovasse isso lá.

Se me perguntarem, o esquema lá é o seguinte: eles preparam um café que não tem nada de especial. uns 50% de café do cerrado e 50% de café do Vietnã. Variam uns 3 parâmetros da fórmula (torrefação, e concentrações de sei lá que substâncias flavorizantes (naturais)) pra gerar as variedades, e colam em cima um texto de marketing maravilhoso, fazendo vc pensar em Roma, Etiópia, na colonização da África, no Reich de mil anos e no white man's burden e sei lá mais o que. Aí vc fica emocionado, e adora aquele cafézinho ali.

Café aliás que não é ruim não, é bem bom!... Gostei sim. Mas fiquei decepcionado achando que fosse realmente ter diferentes opções de procedências e tipos de café... Minha suspeita é de que os cafés “exclusivos” são os únicos que realmente tem algo de mais especializado. Mas tem que ser só um de cada vez, por bastante tempo, pra ser lucrativo pra indústria. O resto é o bom e velho cafeão nosso de cada dia, que vende aí no super mercado.

Quanto ao processo deles, é mesmo bem interessante. E eles falam disos o tempo todo, aliás. Um folheto diz assim:
Máquinas criadas em torno de um processo exclusivo.

Aliás, fato essencial pra lucratividade: manter essa exclusividade ali... Mas não é exatametne um monopólio, então não dá pra criticar muito né.

O café vem moído na tal cápsula de alumínio. Vem com o próprio ar de Papua Nova Guiné guardado ali dentro! É uma embalagem hermeticamente fechada, tipo uma latinha de Pringles. A propósito aquele site ali em cima diz erroneamente que elas são “lacradas a vácuo”, o que não é acurado. Devem ter confundidos com aqueles cafés moídos de pacotinho que parecem uns tijolinhos, que são de fato embalado a vácuo, e fazem até "pssss" quando vc abre.

O café do Nespresso é preparado na própria embalagem. A máquina fura ela, injeta a água quente e pressurizada, e o café sai por uns buracos feitos na parte de baixo da cápsula, a mais molinha. Bacana, interessante, engenhoso!... Fácil de guardar, e ideal para solteiros iúpes ricos que não consomem grandes quantidades. Mas o mais legal disso aí é explorar o conceito poke-bola! Criar o lance de colecionar os potinhos, poder trocar cafezinnhos com seus amigos, guardar as tais coleções exclusivas da Nova Guiné... (Aliás, não é engraçado que eles se esforcem pra buscar café da Nova Guiné, que fica do lado do terceiro maior produtor de café do mundo? Qual a chance da Nestlé estar levando café da Indonésia pra Nova Guiné, por exemplo, se esforçando o mínimo possível em lidar com a própria Nova Guiné, só o suficiente pra poder mencionar este exótico país nos anúncios?... Só quero da ruma idéia do tipo de negociata falcatrueira que pode estar havendo por trás dos doilys de papel aí, e agente nem tem noção. )

Na verdade o que essa parada das “cápsulas” me lembrou mesmo foi de papelote de drogas ilícitas!!... Imagina só: é uma dose do seu estimulante embrulhadinho, preparado pra vc levar pra usar no escritório ou em casa... Só falta algum dia venderem o café em forma de cristal, por exemplo!!...

E ainda tem um lance de entrar no “clube grão-cú” pra participar de sei lá que promoções exclusivas... Tinha um cliente q vi lá comprando sei lá o que respondeu prontamente a uma funcionária, “já sou cadastrado”!... Parece que a moda está pegando pra valer!... Só espero que meus temores de ser um engodo midiático não se verifiquem...

Resumindo, é bom, e tals. Mas a propaganda e o climinha descolado me irritaram. Achei um tiquinho pretensioso, mas faz parte. É carozinho, mas depois de pagar 5 paus pra me decepcionar no Maksoud, não achei tão ruim.

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