2008/03/25


O crime do software proprietário pt. II

Após comentário de nosso leitor mais conhecido e polêmico, criei uma resposta tão grande, ilegível intrincada que merece subir a categoria de post completo, então lá vai... (Vejam a mensagem original na página do primeiro post.)

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Olá!... Obrigado pela participação. E desculpe a extensa resposta que se segue, mas foi você que abriu a comporta da represa! :)

A velha discussão só terá fim quando a sociedade estiver tão transformada que não seremos capazes de identificar no futuro algo parecido com isso que chamamos de “mercado de software”.

Meu texto não foi simplesmente uma analogia entre a indústria de software proprietário e “o criminoso”. Eu estou é efetivamente afirmando que a citada indústria é anti-ética!

Quanto a um possível desespero, porque haveria de existir? O software livre cresceu a partir do nada, e não precisa garantir algo como algum tipo de “fatia do mercado” pra sobreviver. Não é tipo uma Intel da vida que precisa se descabelar pra emplacar uma basófia nova, digo, produto novo... Pelo contrário, no mundo do software livre é tudo mais calmo, nada é pra ontem. Eu não tenho desespero, mas apenas a urgência daqueles que viram o futuro e não se contentam em estar aprisionados no passado.

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Quanto à sua secretária ser capaz de se imbuir deste meu espírito, aí sim entra a analogia. A analogia que eu fiz foi com a indústria da construção civil. Você não concorda que o Sérgio Naya é um criminoso anti-ético? Todo mundo concorda! E os multibilionários da indústria do sofretware o são de forma análoga.

Nossas secretárias não se importam com o código fonte dos S.O. delas exatamente da mesma forma com que elas não se importam com a procedência da areia do concreto das colunas de sustentação dos prédios delas. Mas tenho certeza que se você explicar o problema, nos dois casos, elas vão concordar que a questão é mesmo preocupante.

Quanto aos programas serem práticos e terem bom suporte, me desculpe, mas ouço falar nisso desde sempre e ainda estou pra ver um consumidor satisfeito com o suporte de algum produto. Achar prático eu já vi muitos... Eu mesmo estou 90% do tempo muitíssimo satisfeito com meu vtwm+emacs+mozilla 3.0.

Clipinho animado não ajuda ninguém, vai. O que realmente faz a diferença na vida das pessoas é a experiência delas, e se os amigos e pessoas de seu relacionamento usam programas similares, pra quebrar galho e pra que seja fácil a troca de dados. Isso é que importa: é se seu irmão, cunhado e netos tão usando a mesma coisa. Por isso que a revolução do software livre é uma coisa de baixo pra cima. É luta de guerrilha!

E mais, porque as pessoas insistem que existe alguma correlação entre um programa ser proprietário e ele ser “amigável”?... Isso que as pessoas enxergam como outros programas não serem amigáveis é na verdade uma ilusão, causada por elas não se acostumarem facilmente com alternativas. É preguiça de mudar (por mais que justificável). Isso não aparece no dia-a-dia do software proprietário porque esse mundo é cheio de monopólios, e é raro existir mais de um programa pruma mesma tarefa.

E o que tem de pouco amigável no Firefox, ou no Oppenoffice?...

Outra questão importante: As pessoas só falam que gostariam que houvesse um bom suporte, ou que os programas deveriam ser mais amiguinhos, quando tem algum problema em sua atividade. Pela minha experiência, pra 90% do tempo e 95% das pessoas esses problemas nada tem a ver com opções desconhecidas e mal-localizadas em alguma combo box obscura na terceira orelha do sub-menu avançado do editor de registro. O que acontece mesmo é ou alguma coisa tola como uma tomada desligada, ou um desconhecimento de algum conceito fundamental, como o que é um arquivo, um e-mail, ou um ícone ou janela. Quando as pessoas aprendem a trabalhar de verdade, os problemas desaparecem, e o suporte fica inútil.

A questão do aprendizado vale pra todos programas de todas plataformas. Chega uma hora que não adianta ser amigo. Por mais que alguém se coloque amigavelmente à disposição no meio do caminho tentando entender o que a pessoa quer, não funciona. Isso nada tem a ver com programas proprietários ou livres... E as empresas de software ganham dinheiro alimentando a ilusão de que se vc pagar aquels preços exorbitantes ali, você não vai precisar aprender nada pra usar o programa. Estão cobrando para que você possa sentir que pode continuar sendo ignorante, e você acaba no final sem conseguir trabalhar, insatisfeito porque teve que aprender algo no final das contas...

Vamos aproveitar pra mencionar uma questão interessante aqui: Existem inúmeros de usuários de Photoshop, Winrrous e outros programas proprietários que os utilizam sem pagar, se aproveitando de toda a amigabilidade, mas sem acesso ao suporte. Elas cometem algo que a sociedade considera uma contravenção... A discussão da moralidade da pirataria anda de mãos dadas com a discussão da moralidade da própria produção dos softwares “pirateáveis” (definido como aquele que não é livre. Por mais que as emprsas tentem montar sistemas de verificação e de segurança, software livre é o único que realmente não dá pra piratear, né! :) )

E vamos lembrar também que tem muito programa livre em que você pode contratar um suporte. Você acha que se eu contar essa ótima idéia pro pessoal da Adobe, eles vão falar “puxa, ótima idéia!” e abrir o código do photoshop? Ou antes de fazer isso eles ainda se dariam ao trabalho de bagunçar a interface pra tornar ela menos amigável, arruinando o valor do software?...

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Olha só uma boa: se todo valor exorbitante desses softwares livres depende do suporte e da interface amigável, porque a Adobe não abre o código só das bibliotecas mais básicas de processamento gráfico do Photoshop? Você talvez me diga que “é a pesquisa”... E se eu te disse que a maior parte da pesquisa básica em processamento de imagens ocorre em universidades, e que ainda por cima a Adobe reutiliza suas próprias bibliotecas já a anos?... Quantos anos precisam se passar pra versão 1.0 do Photoshop poder se tornar livre? Se ele snão podem liberar pra não perder clientes, não quer dizer que essas versõse novas nada tem de novo realmente?

E o que dizer dos fabricantes de periféricos que só fazem drivers pra plataformas específicas, e nem se quer se dignificam a publicar especificações para que se façam os drivers, e ainda acham ruim se você fizer engenharia reversa? O que isso tem a ver com suporte e amigabilidade?

Pra finalizar, a respeito do post sobre o Photoshop no wine... Não sei se escrevi mal o texto, mas eu tentei o máximo possível dar um tom oposto a o que você diz. Eu digo bem claramente no final que não é essa notícia que queria ouvir, que o que eu mais quero é parar de ver gente comemorando essa luta interminável em decifrar os softwares proprietários...

Eu nem queria que o GIMP se tornasse o novo Photoshop e a Adobe falisse não. Eu ficaria muitíssimo feliz se a Adobe lançasse uma versão do Photoshop pra Linux, por mais que cheio das restrições, custando o dobro do preço, sem suporte e sei lá mais o que.

Só deu ter certeza que novas versões do Photoshop continuarão funcionando facilmente dentro do wine, eu já ficava um pouco feliz (lá no post eu especulo que a próxima versão vai provavelmente ter uma mudança de funcionamento pretensamente inocente que vai impedir a emulação adequada.)

Existe muita sacanagem no mundo do software proprietário. Os segredos deles andam de mãos dadas com decisões imperialistas, monopolsitas, gananciosas e inescrupulosas. Eu luto por uma sociedade aberta, e as mesmas posturas morais que eu combato no mundo dos computadores eu também combato na engenharia civil, na banca de jornal e no cafezinho ali da esquina.

Aliás, esses caras só emplacam essas sacanagens justamente porque as pessoas não entendem do riscado... Não precisa ser cientista nem mágico pra entender porque essas coisas são erradas: o proprietarismo é errado em qualquer escolaridade. Assim que a gente conseguir explicar pra sua secretrária que a janelinha que abre e fecha ali não é mágica, o bicho vai pegar...

O preço do Photoshop vale a pena porque é um bom produto, ou é porque os funcionários não sabem trabalhar com nenhum outro programa, e se você tentar mudar vai ter dezenas de probleminhas de compatibilidade?...

So pra finalizar mesmo agora: Não fiquem com a impressão que eu quero ver o código fonte do Wymblious. Tenho confiança de que deve ser uma porcaria, um pedaço de lixo ominoso e inútil que deve permanecer nas trevas. Seguindo analogia com construção civil, é um prédio que acho que deve ser demolido mesmo sem ver o projeto. Já o código do Photoshop eu tenho alguma curiosidade, mas duvido que tenha muitas coisas muito interessantes lá dentro.

3 comments:

Anonymous said...

Concordo com quase tudo. Mas é bom lembrar que a anti-ética, concorrencia desleal e etc, não são exclusividades do mercado de software. Há bad guys controlando empresas por toda a parte, em todas as areas, em todos os setores - devem ser características inerentes ao homem capitalista moderno, hahaha :].

Não questiono nem discuto os evidentes benefícios do open-souce, pras universidade, pros estudantes, novos desenvolvedores, enfim, pra toda sociedade. Mas não consigo simpatizar com esse discurso que tenta transfomar uma empresa ou grupo de programadores em "CRIMINOSOS" por apenas terem *escolhido* qual caminho seguir. Como se não houvesse mais direito a escolha. É quase um discurso evangélico: "Você não tem escolha, infiél! Junta-se a nós ou queime no inferno!"

Talvez seja o fim da obra individual, do direito individual como conhecemos, em favor de um direito coletivo. Quem sabe? É uma linha de raciciocío a se seguir. Mas que inicie então pela realmente assassina indústria farmacêutica. Esta sim, sabemos que graças ao capitalismo, mata mais que Pallace II. :(

Ah, Oppenoffice é um fiasco. Mas o Firefox é maravilho. :)

Ah, lembrando que código aberto no mundo prático (não teórico) da segurança é uma faca de dois gumes: agiliza a correção de bugs (mais programadores bonzinhos estudando o mesmo código), mas por outro lado befenicia MUITO a criação de exploits "privates" (mais hackers malvados tendo acesso ao código).

Mas essa é uma velha briga de gato e rato que não deve acabar enquanto ainda existirem os tais bad gays entre nós...

[]'s

Nicolau said...

O que torna as pessoas criminosas ou não é justamente a escolha do caminho que seguem.

Mas eu não considero que só exista uma escolha simples e binária a ser feita: entre o software absolutamente livre, e o capitalismo sórdido imperialista. Software proprietário não é de forma alguma sinônimo de imoralidade.

Cada um sabe dizer se é ou não um Sérgio Naya da produção de software. Todos sabemos dizer quem é malvado ou não ao considerar os fatos.

O que mais me preocupa não é o “modelo de negócios” básico do software proprietário não. O que me preocupa muito mais são pequenas decisões do dia-a-dia. Decisões baseadas num desejo de “se dar bem sem olhar a quem”. Os empresários com essa mentalidade buscam o software proprietário porque se encontram nele. Não significa que todo mundo que ainda prefere trabalhar assim o faz com intenções profundas de monopolização e imperialismo...

A imoralidade não está na simples opção pelo software proprietário. Está no marketing enganoso, está na tentativa de impor padrões fechados e ruins, dominar mercados, espalhar FUD, tentar obter patentes absurdas... É disso aí que eu tou falando. Sugerir que todos funcionários fabricantes de software proprietário compactuem com isso tudo seria ofender um grande número de pessoas que muitas vezes nem se dão conta de que estão às voltas com esse tipo de decisão.

O software proprietário é apenas um ímã dessas outras coisas aparentemente menores, porque anda na direção pretendida pelos gênios do crime. O software proprietário não é o verdadeiro problema, mas resume muito bem as sutis sacanagens que são meu verdadeiro alvo.

Verdade que isso acaba aparentemente contrariando o título dos posts, mas eu confesso que é um artifício retórico pra chamar a atenção. :)

Como você mesmo disse, esse tipo de mentalidade permeia todas atividades humanas. Por isso mesmo podemos tentar comparar o Willy Gayts ao Sérgio Naya.

Eu acho mesmo que temos que combater isso em todas áras, oras!... Eu luto pela sociedade aberta em geral, mas o mundo da informática é minha especialidade, não vou ficar me metendo (muito) a discutir engenharia civil... :)

A propósito, estou muito feliz que você citou a indústria farmacêutica!... De fato, o tipo de coisa que aqueles mercenários fazem tem tudo a ver com o que estou me referindo.

Quem me chamou a atenção pela primeira vez sobre esse assunto, e outros relacionados, foi uma certa professora Marcia Angell. Vi uma entrevista dela onde ela fala sobre um livro onde ela critica a indústria farmacêutica, as “Big Pharma”.

Eu preciso confessar: Essa minha hipótese de que boa parte dos pontos mais críticos de programas como o Photoshop veio talvez de idéias originadas em universidades, ou são programas reaproveitados continuamente pelas empresas, eu tirei foi das pesquisas que se fazem a respeito da indústria farmacêutica. Boa parte dos “novos” remédios não tem absolutamente nada de novo...

Eu já dei uma lida boa sobre ela e essas questões uma vez... Talvez eu o faça de novo, e monte um bom post no futuro, obrigado pela lembrança! :)

Nicolau said...

Quanto aos exploits, se tem mais gente procurando por eles, também tenho certeza que tem mais procurando descobrir quando eles começam a ser exploitados... Sou contra a “segurança por obscuridade” por princípio!... Mas essa discussão sim é bem velha e não vai terminar agora. :)