2009/10/24


Bastardos Inglórios

Acabei de assistir ao Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds), novo filme de Quentin Tarantino. Excelente filme!

Tem tudo o que há de melhor em filmes do Tarantino. O roteiro é excelente, com personagens muito marcantes. Bem escrito, atuado e dirigido. E a história é complexa, envolve dois "núcleos" se alternando... Eu fiquei com impressão, pelos anúncios, que o filme era realmente focado nos tais Inglorious Basterds do título, como se fosse tipo um Comando Delta. O filme não é isso! Essa impressão é só a infeliz incapacidade, até impossibilidade, de se divulgar com facilidade um filme desses contando exatamente como ele é em toda sua profundidade. Não existe por exemplo a hitória da criação do grupo de extermínio. Quando eles aparecem no filme, eles já estão formados e prontos para a ação. E existem vários outros personagens relevantes além do grupo.

Portanto, se você é um admirador do trabalho do Tarantino, e devido às propagandas bobas estava com medo de ser um filme menos elaborado do que todos seus anteriores, pode ir ver sem preocupação, porque trata-se de fato de mais uma pérola na coleção.



Tem algo sobre o filme que eu havia pensado já antes de ver, e conferi: Tarantino fez o perfeito filme de "exploitation" da segunda guerra e do genocídio. Toda essa idéia de judeus se vingando matando nazistas sanguinolentamente. É perfeito! A subversão da coisa... O lugar perfeito pra começar o filme, que se revela depois ser muito mais do que isso.

Daqui pra frente quero comentar aspectos do filme que podem "entregar" surpesas da história, então se você não quer saber nada, vá assistir agora e volte depois pra ler.

*** SPOILERS SPOILERS SPOILERS ***

A primeira coisa que me chamou a atenção no filme, que eu não tinha a mínima idéia que havia antes de ver, são as inúmeras referências ao gênero western. O Tenente Aldo Raine de Brad Pitt, que aparece no trailer pedindo escalpos de 100 nazistas de cada homem, diz anteriormente que possui sangue apache. Existem ainda outras referências a índios americanos. E o mais importante: eles realmente tiram os escalpos dos nazistas!! :O

Mais referências surgem ainda em outro excelente aspecto do filme: a trilha sonora. Não sendo nenhum especialista, só reconheci a música do Dólar Furado, mas outras músicas clássicas do gênero foram utilizadas no filme. O mais importante é que a forma como essas músicas se integram a esse "filme de segunda guerra" é magistral. Não é uma "colagem", é aquela coisa que o Tarantino sabe fazer, e acho que ele fez melhor ali do que em qualquer outro lugar. E eu fiquei especialmente bem-impressionado com o uso de Für Elise, bem no princípio do filme. Achei genial, parabéns ao compositor...

Mas o filme não é apenas "um western passado na segunda guerra". Vários momentos do filme se destacam, como pequenos curta-metragens dentro do filme, como é típico do Tarantino. É o caso de toda a cena dos 3 soldados indo encontrar a espiã no bar. É uma cena atipicamente grande para um lugar pequeno e para um ponto não tão importante da história, mas onde se desenvolvem alguns daqueles aqueles diálogos memoráveis do QT, e momentos de suspense angustiantes terminados apropriadamente por jorros generosos de sangue.

A grande extensão das cenas de suspense em geral me deixaram muito satisfeito. A cena no veterinário, por exemplo, é antológica. Merece seu lugar junto de cenas como o cara cortando a orelha do outro no Cães de Aluguel, e a injeção no coração no Pulp Fiction. Diálogos como o Aldo conversando com o alemão no início, além da cena inicial do filme também se estendem bastante. É trabalho de profissional! Hitchcock, "citado" em película, talvez apreciasse o trabalho se não estivesse inconvenientemente morto.

Outra coisa que fiquei muito feliz de ver foi a presença de personagens históricos: Hitler e Churchill! Sem contar outros infames nazistas. Não tinha idéia disso quando fui ver o filme. Muito menos tinha idéia de que no final o filme se distanciaria definitivamente de boa parte de outros filmes da segunda guerra ao alterar dramaticamente os acontecimentos!

E por falar em drama, que dizer do "núcleo Romeu e Julieta" do filme, Shoshanna e Fredrick? A história dos dois é muito interessante, tem muito o que se pensar ali... Mas por agora vou me limitar a elogiar apenas a excelente cena da heroína se arrumando antes de descer para a festa. Quando ela pega o batom na mesa, tive a nítida impressão de que se tratava de uma bala de fuzil. Logo a seguir ela coloca maquiagem fazendo uma "pintura de guerra" indígena, primoroso. E em seguida aparece carregando uma arma com balas de fato. Excelente cena, absolutamente "cinematográfica". Notei ainda como uma pereba que ela tem no seio foi bastante ressaltada pela colocação de um foco de luz, quando ela está na janela. GÊNIO!! O cinema de Tarantino traz "warts and all"!...

Pra falar de "coisas mais profundas" do filme, me chamou a atenção as menções ao passado da América, com alusões a índios, escravisão, Marco Polo... O filme aborda discretamente os sentimentos de intolerância e ódio, de um jeito que gostei muito. É interessante pensar que Tarantino é famoso por fazer algumas cenas de violência "hard core", brutais e explícitas, mas está sabendo exercitar também a sutileza, cada vez melhor.

Esse lance de falar do passado violento da América parece que é um projeto que o Tarantino está desenvolvendo pro futuro. Vou achar ótimo!!! Espero que seja um trabalho tão clássico quanto outro filme que aborda a questão com muita genialidade: O Iluminado. E vai ser depois que Tarantino realizou pra si o eterno e não-cumprido desejo de Kubrick de fazer um filme passado na Segunda Guerra...

Não sei mais o que dizer... Talvez apenas reforçar um pouco como foram boas todas as caracterizações de personagens. Deve ser a primeira vez que Tarantino se aventurou em um território mais bem-explorado por outros cineastras anteriormente: não são os personagens usuais do "submundo" contemporâneo, mafiosos, criminosos, jovens "selvagens", etc. São pessoas como fazendeiros franceses e soldados, num ambiente histórico, até com _personalidades históricas_. Os ingleses!... O Mike Meyers!!!... Tarantino fez um trabalho muito bom. E todo mundo mais que trabalhou no filme, claro. Inclusive o "consultor de sotaque" do Brad Pitt.

O filme é passível de sofrer várias leituras metalinguísticas. Não é difícil começar: o clímax é num cinema, que é aguardado por quase todo o filme, e o Göbbels é basicamente um personagem da trama. Mas não dou conta de entrar nisso agora, e talvez seja até muita areia pro meu caminhãozinho. :)

Enfim, leitores... Acho que Tarantino talvez tenha acabado de fazer sua obra-prima.

1 comment:

Rogério Brittes said...

Acho que tem ainda mais referências ao western: um dos trechos do filme se chama "once upon a time in nazi occupied france", lembrando o "once upon a time in the west" do Sergio Leone. Além disso, ele usa um super zoom que fecha no rosto ou no olho das pessoas, e umas cameras lentas de gente andando em direção ao combate que são uma homenagem explicita ao Leone.