2008/06/14


O "qi" do rato

Tenho raiva de testes de Q.I.. Até acho legal por alguns motivos, mas tenho grande antipatia por pessoas que mencionam valores do QI de Fulano ou Cicrano, ou ainda que dizem que isso deve ser considerado como critério único para isso ou aquilo. Eu não acho isso muito diferente de comparar o comprimento de membros dos corpos de duas pessoas, tipo “Meu pâncreas é mais comprido e grosso do que o seu, a-ha-ha!” Está tudo nesse post do meu outro blog, naquele link ali.

Mas como disse, ache legal por alguns motivos. Primeiro porque acho interessante todos essas tentativas de quantificação de parâmetros subjetivos, algo que se faz muito em psicoacústica. Mas eu faço isso por diversão, e dando sempre mais atenção aos processos do que aos valores finais obtidos. Essa coisa de criar testes miraculosos que produzem números mágicos me dá asco. É tipo a famosa escala Richter, que é quase como tentar qualificar com um único número um espancamento de uma pessoa. Ora, depende se foi com as mãos ou pés, muitos chutes fracos ou poucos fortes, um atacante ou vários, em círculo, se foi no olho ou nas costelas... É tudo um grande problema de codificação de sinais: como representar fielmente uma certa entidade em números?... E a fronteira do que é ou não “representável em números” é um assunto interessantíssimo, ainda mais para céticos do livre-arbítrio, e outros malucos.

Outro motivo porque gosto, é porque esses testes muitas vezes tem umas charadinhas matemáticas divertidas. Foi por isso que empolguei outro dia de fazer um teste desses, “só por esporte”... Não lembro como, caí nesse testinho aqui:
http://www.aceviper.net/IQ_TEST/iq_test_2005.php

Alguns dos problemas nesse teste são daqueles que me dão raiva, tipo “qual é o próximo número da seqüência?...” Esses testes medem mais é sua capacidade de manjar desses testinhos. Saber o tipo de coisas que eles querem saber, tipo: que são cubos, quadrados, ou são permutações... Isso tem a ver é com o tal “common sense reasoning”, algo que os gringos adoram. Mas isso não é ciência, e nem é uma verdadeira resolução de um problema... Posso até aceitar se me disserem que existem correlações entre as atividades, mas não interessa. São questões feias.

Mas existem outras questões legais, e esse teste até tem um bom número delas...

O legal do site é que no final ele gera uma imagem bonitinha pra você colar no seu blog, e nem é uma coisa tosca que dá pra editar a URL pra colocar o número que você quiser não... :)



(Aproveito pra falar também, se você estiver com muita vontade de saber, que meu pâncreas tem pouco mais de 18cm.)

Ao ver essa imagem, o número lá: 12tantos, comecei a lembrar de várias conversas que já vi sobre o assunto, e me lembrei de algo importante que as pessoas não dão muita atenção. Esse número mágico é na verdade uma simplificação da coisa. O que existe um levantamento estatístico, e uma normalização pra uma escala bonitinha.

Nem digo que os testes são "furados", e que os aplicadores desconheçam isso. De fato, a página ao final do teste dá o valor que interessa de verdade: "o resultado está acima de 93% da população testada". É isso que importa, o lugar relativo da pontuação. Aí depois os caras transformam esse número pra um outro, tipo "120", e vira aquela coisa mágica. Mas esse número, "120", é incompleto, você precisa saber mais um pra ter certeza do que significa.

Respondo: os aplicadores dos testes modelam a distribuição de resultados obtidos como uma distribuição gaussiana, ou “normal”. (Que os estadunidenses que não gostam de alemães também chamam de “bell curve”.)

Uma distribuição gaussiana é dada por dois valores: sua média, e seu desvio-padrão. Esses valores você obtém estatisticamente, dos dados coletados. Aí depois disso, se vc quiser ter idéia de “acima de quantos por cento” o resultado de alguém ficou, o que vc faz é olhar pro valor “normalizado”, e conferir numa tabelinha. A necessidade de usar a tabelinha aí é que a função utilizada é impossível de se calcular analiticamente, um assunto interessante que fica pra outra hora!...

Pra "normalizar" seus dados, o que você faz é subtrair o valor da média, e dividir pelo desvio-padrão. O que a tabelinha diz, é quanto “por cento” da população está entre no intervalo da média menos o desvio-padrão, até a média mais o desvio padrão. (Veja o gráfico na wikipédia...) Esse gráfico que plotei abaixo é um pouco diferente, é considerando o intervalo de menos-infinito até o valor em análise... Observe, por exemplo, que no "zero" temos 0,5. Ou seja, se você tirou exatametne o valor da média, você está “melhor do que 50% da população”. (Lembrando que esse negócio de porcento é apenas uma multiplicação cosmética, bem como a criação desses números de “QI”)



O resultado do meu teste, segundo o site, esteve acima de 93% dos outros testes realizados lá no site. Fazendo uma engenharia reversa, podemos então tentar descobrir a constante de normalização que eles utilizam. Vejam lá no gráfico: pra uma distribuição gaussiana qualquer, prum número estar acima de 93%, ele tem que estar mais ou menos acima de 1,5 desvios-padrões.

O resultado do meu teste foi 123. A média deve ser 100, só porque as pessoas tem mania desse número aí, isso é mais ou menos garantido (na verdade, parece que naquele site ali a média tem sido 101...)

Logo, meu resultado esteve 24 acima da média. Dividindo 24 por 1,5 (necessário pros 93%) temos a constante 16...

Esse é o valor que falta na resposta do teste. Não pode ser só “Seu QI foi 124.” Tem que falar: “Seu QI foi 124 em uma população com média 100 e desvio-padrão 16.” Só assim a gente fica efetivamente sabendo o “x% acima do resto.” ou “você faz parte da nata de 2% da população.”

A inexistência de um padrão permite que pessoas possam inflar seus valores de QI. Essa tal constante 16 parece mesmo ser bem popular, mas mudando de teste pra teste, um mesmo QI de 1.5 desvios-padrão pode ir de 124 com média 100 e constante 16, pra 137 com média 101 e constante 24 (que parece ser outra menos popular).

É absurdo portanto conversar comparando testes de QI de diferentes pessoas, a não ser que seja bem claro que estes valores se refiram a um mesmo teste, ou no mínimo a um mesmo padrão. É um problema similar ao que acontece com número de ranking de xadrez seguindo a escala Élő.

Então da próxima vez que você ouvir alguém falar “meu QI é 119 e meio”, você pode completar, mesmo que seu QI seja 74: “pena que seu QI grande não te possibilita perceber que esse número, falado assim tirado da bunda, não significa bosta nenhuma, você que é tão inteligente devia falar sua colocação em desvios-padrões, ou apenar falar de uma vez sua colocação em relação à população em geral, o que é inclusive muito mais rigoroso considerando que nem existe muita garantia de que a distribuição de QIs do seu teste seja bem modelada por uma gaussiana.”

Se seu QI for mesmo baixo, pode anotar num papelzinho. O argumento não deixará de causar incômodo, que é o que realmente importa. E ainda busca depois uma régua pra medir o tamanho do seu pâncreas.

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