2006/09/18


O indireto direito ao anonimato

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=396IPB007

Foi nesse site do Observatório da Imprensa que fiquei sabendo de um projeto de lei que o meu senador Eduardo Azeredo anda elaborando.

A idéia é obrigar que os cybercafés registrem, por 5 anos, quem acessou o que e quando.

Antes de afirmar que sou contra, só queria levantar um paralelo da situação atual com o que ocorre com outras tecnologias.

No mundo da telefonia, existem os orelhões. Andam colocando câmeras em alguns por aí, mas se tem uma característica fundamental nos orelhões como nós temos hoje, é o anonimato que ele fornece... Isso é tão relevante que em vários filmes policiais que passam aí na TV o fato de que alguém ligou de um orelhão e impossibilitou sua identificação é freqüentemente relevante à trama.

Citemos ainda como que é raro alguém ter BINA em casa... No mundo dos celulares isso já mudou, apesar de que parece que vc pode pedir pra telefônica não falar seu número quando vc liga... (não sei ao certo)

Outro meio de comunicação que possibilita o anonimato é a velha carta!... Sim, a velha carta, vc não precisa colocar remetente, se quiser pode até colocar um falso numa boa. Pode fazer "spoofing", colocando o remetente que vc quiser, olha que interessante.

Outra situação em que podemos buscar o anonimato é em encontros face-a-face, quando vc olha pro lado, fica de costas, cobre-se com as mãos ou com algum tecido. Isso é bem antigo, acho até que tem algumas peças de teatro da Idade Média e Grécia antiga onde esta tecnologia de apocrificação é extremamente relevante para as tramas.


***

Esse projeto de lei visaria combater, em primeiro lugar, pessoas que entram por aí em caixinhas de comentários de blogs e cometem o "tenebroso" crime de perjúrio e difamação... Eles não querem que essas pessoas possam se safar!!

Agora lhes convido prum gedankenexperiment. E se eu for lá do outro lado da cidade, te telefonar dum orelhão, e falar correndo "ladrão filho-da-puta!" e desligar na sua cara. Como você vai fazer, colega??... Como você vai me processar por perjúrio, calúnia e difamação?

E se eu contratar um serviço underground de telemarketing pra telefonar pra 100.000 pessoas durante uns 15 minutos e espalhar por aí um boato de que uma certa pessoa famosa aí possui alguma certa característica ruim? Qq se pode fazer quanto a isso? O cenário anterior pode até ser descartado como uma má comparação, porque é uma comunicação 1:1, mas aqui já estamos tratando de uma forma de broadcast, apesar de não ser TV.

Com cartas e cartazes dá pra fazer o mesmo... Outro dia aí a políça até prendeu um grupo de skinnazi em Curitiba porque eles espalharam uns cartazes falando as merda deles lá.

Poderímos partir desse tipo de crime pra querer cadastrar todos os donos de mimeógrafos? Deveríamos ordenar que as gráficas tivessem um cadastro de o que cada cliente seu andou pedindo pra xerocar? Deveríamos fichar e vistoriar periodicamente qquer dono de xerox, fax, impressora matricial, jato-de-tinta ou laser, ou ainda mesmo prensas gutenberguianas? Afinal, são todos instrumentos que podem ser potencialmente utilizados para cometer-se perjúrio-calúnia-e-difamação de forma anônima.


***

Agora então afirmo: sou contra! E estou EXTREMAMENTE decepcionado com meu senador. O pior de tudo é o seguinte: Esse é o tipo de questão com que quase ninguém se importa. Mas é uma rara questão com que eu me importo muito. Acho que de todas as coisas com que o Azeredo já trabalhou, essa deve ser a questão que mais me faria mudar de idéia a respeito de um candidato.

Isto significa que na eleição que vem, eu votaria em QUALQUER candidato que apoiasse o meu ponto de vista em detrimento do do Azeredo. Apesar de eu gostar de muitas coisas que ele já fez, essa é uma questão que eu debateria nacionalmente se eu fosse alguém com algum mínimo de importância política. Essa é uma questão que eu me sinto no dever de priorizar ao fazer meu lobbyie por aí.

Só que como é uma questão com que ninguém se importa, não se fala sobre isso em campanhas, e eu não tenho como saber em que candidato eu posso confiar. Um jeito de poder confiar seria conhecer a ideologia do partido daquele senador, e considerar que ele a seguiria. Eu achava que a ideologia do PSDB fosse absolutamente contrária a isso daí, e agora tou sem saber: Ou o PSDB simplesmente não se importa com a questão, ou se importa e tem essa opinião do senador, ou se importa tendo a minha opinião, e é o senador quem está errado.

Se a terceira opção não se mostrar a verdadeira, acho que vou ter que definitivamente parar de falar por aí que simpatizo com os tucanos... Vou acabar fundando meu próprio PH/A/P/V/C/.

***

Existem mais dois argumentos de apoio a essa lei aí. Um é de que "precisamos lutar contra os pedófilos, torcidas organizadas e terroristas". Eu tou meio tremendo de medo por ouvir isso. Nunca na minha vida ninguém teve coragem de falar na minha cara um discurso tão de "direita" quanto querer controlar o acesso à Internet pra vigiar a população. O próximo passo é indiscutivelmente querer proibir a criptografia, e caímos direto no cerne do movimento "cypherpunk".

Outro argumento lembra que a constituição proíbe manifestações anônimas. Mas o espírito dessa lei é indiscutivelmente proibir que alguma Ku Klux Klan da vida suba a rampa do congresso usando máscaras, algo que eu abomino. Mas não é disso que estamos tratando aqui...

No comments: