ATUALIZAÇÃO (2008/06/23):
Graças à Wikipédia, fiquei conhecendo um site que tem informações detalhadas de propriedades termofísicas de diversos materiais, hospedado por um tal CHERICH, valeu pessoal!!
Agora podemos dar uma boa olhada no que acontece com o CO2 e com a Água no verão marciano, e na Terra. Vejam só o belo gráfico que fiz no gnuplot.
Na Terra, a pressão atmosférica teria que ser umas mil vezes maior, ou a temperatura quase 100 graus mais baixa pra gente ter gelo seco naturalmente. Já a água aparece tanto sólida quanto líquida, chegando a gasosa quando as condições permitem.
Num típico dia de verão no norte de Marte temos temperaturas de -80 a -32 graus Celcius, e uma pressão de 8milibars, segundo nos disseram os diligentes Canadenses. Nessas condições o CO2 também é gasoso, e a água é sólida. A esta pressão, precisamos de uns 40 graus para que ocorra evaporação da água (talvez passando rapidamente pelo estado líquido). Restam algumas contas pra saber se a radiação solar poderia realmente causar isso. Quanto ao CO2, seria necessário atingirmos menos de 160K, ou -113C (33 graus abaixo do mínimo registrado) para que o CO2 se congelasse a esta pressão. Estas temperaturas talvez ocorram no inverno, mas não é o que se está registrando agora no verão. A radiação solar ainda deve dificultar mais ainda a formação desse gelo-seco, do mesmo jeito que causou a sublimação das pedrinhas de gelo-molhado trazidas à superfície.
É isso. Agora finalmente fiquei satisfeito. Os chatos que falaram antes que haveriam dúvidas sobre qualquer gelo encontrado, se seria ou não água, podem ir pro espaço, porque no verão é evidentemente muito difícil ter gelo de CO2. A dúvida que existe é sobre o que acontece ao longo do ano, e não sobre o que a Fênix encontraria. E os outros chatos que vieram depois achando graça de quem acreditou na imprensa e estava com dúvidas, mas sem mostrar os dados precisos, podem finalmente aprender o valor correto vendo meu gráfico lindo ali. E você viu pela primeira vez aqui no Philogroky, tá!...
(OBS1: Estou me referindo aos chatos no Slashdot que divulgaram uma temperatura errada para a fusão do CO2 a 800Pa. Eles deram -107F ao invés de -171F, sendo que o mínimo de -80 é justamente -112, abaixo desses supostos -109F. Não bastasse esse erro absurdo, ainda usaram essa unidade de medida obsoleta. Tem ainda os chatos que me responderam malcriadamente no digg sem apontar referências para os valores relevantes... Sair repetindo o que o press release da NASA anunciou não é ciência.)
(OBS2: Note no gráfico que no caso da Terra eu plotei mais ou menos as temperaturas que encontramos na superfície toda e ao longo do ano. Já em Marte estamos falando de uma variação um único dia de verão!)
POST INICIAL:
Está sendo noticiado pra todo lado a descoberta de "gelo" em Marte, pela sonda Fênix. Estou estupefato com a superficialidade das notícias, e com o desperdício da chance de usar a descoberta pra propor exercícios de física básica.
Faz poucas semanas, logo quando a sonda chegou, ouviu-se falar muito que era sabido que Marte possui tanto grandes quantidades de CO2 quanto de H2O (água :P) na atmosfera. A grande pergunta que se iria responder era a exata proporção entre as duas substâncias no gelo que se forma nos pólos do planeta.
Já se sabe algo a respeito da formação de gelo nos pólos de Marte. Sabemos inclusive algumas coisas interessantes. Por exemplo: a atmosfera lá é tão escassa que o congelamento de gases nos pólos ao longo do ano chega a fazer a pressão atingir um terço do valor médio.
Mas existem muitos detalhes que ainda precisam ser estudados, e a sonda está lá pra isso. Só que as únicas notícias que as pessoas querem ouvir é sobre a existência de vida me Marte, principalmente por causa de implicações da descoberta nas religiões estadunidenses.
A pior confusão que surge é quando se fala em "gelo" sem deixar claro se é "gelo" de água ou "gelo" de CO2 (ou do que for). Ora bolas, "gelo" é apenas uma certa substância em estado sólido. A questão toda é que queremos ignorar as grandes quantidades de gelo-seco (de CO2) que se formam no pólo norte durante o inverno, e estudar o gelo de água... Que aliás, também pode ser "seco" naquelas condições ali. Aí a imprensa não quer "complicar", não quer "confundir" os pobres leitores que tem medinho de ler qualquer coisa que não seja uma bobagem desinformativa, e por exemplo ficam falando "gelo" usando o chamado common-sense dos leitores que deverão "saber do que estão falando", e inferir que deve se tratar de gelo de água.
Mas não aqui no Philogroky! Não senhor, aqui você vão ler a notícia inteira.
O que rolou foi que os operadores da Fênix fizeram uma escavação, e no fundinho do buraco que fizeram sobraram umas pedrinhas branquinhas brilhantes. Podia ser água no estado sólido, podia ser CO2 no estado sólido, podia ser quartzo, podia ser sal grosso que sobrou de algum churrasco marciano.
Só que quatro dias-marcianos depois, uma outra olhadela no buraco revelou que as tais pedrinhas haviam sumido!
Essa foto do "antes e depois" você encontra no APOD, ou no site da NASA. Eu fiz minha própria ampliação e deturpação de cores pra tentar deixar na escala natural, e ressaltar a "gelosidade" das pedrinhas
Mas aí então entra o problema... Como podemos saber se é gelo de água?
Quartzo, diamante ou sal de cozinha é difícil que seja, porque certamente seriam sólidos naquelas condições de temperatura e pressão. Pressão, aliás, é o mais importante ali: a atmosfera de Marte é coisa de 700Pa a 900Pa, enquanto a da Terra é bem maior, aproximadamente 101kPa. Então eliminando a hipótese bizarra de que alguma sorrateira ave marciana as tenha roubado, só pode ser que fosse alguma substância que se encontrava no estado sólido, e passou para o gasoso.
É preciso então sabermos a temperatura e pressão que faziam lá naqueles dias, e olhar alguma tabelinha com os pontos tríplices de diversos elementos para termos idéia do que poderia ser. Estas temperatura e pressão estão sendo informadas pelo pessoal do Canadá que projetou a estaçãoznha meteorológica que integra a sonda. Fiquei sabendo através dum FAQ da wired que tem lá na discussão no digg a respeito da foto do APOD... Legal saber; eu bem falei outro dia sobre como eu gostaria justamente de poder acompanhar esses dados!!... :) (Eu deixei um parzinho de comentários lá no digg.)
Os dados do período de interesse são:
Um bar são 100kPa, muito aproximadamente a própria pressão atmosférica terrestre. 8 milibars são portanto 800Pa, e -80C e -32C correspondem a 193K e 241K.
O ideal seria podermos olhar exatamente a curva dos pontos de mudança de estado de cada substância, mas dá pra ter uma idéia só pelo ponto tríplice... O ponto tríplice do gás carbônico / dióxido de carbono / CO2, é em 216K, 517kPa. Quer dizer que a temperatura estava bem na faixa de transição entre os estados sólido e gasoso, mas a pressão lá é bem baixa, muito abaixo desses 517kPa. Eu chutaria que a temperatura para a solidificação do CO2 nessa temperatura está bem acima dos 800Pa marcianos.
Já no caso da água, o ponto fica em 273K e 610Pa. Este valor baixo para a pressão explica a abundância de água líquida na Terra. No caso de Marte, temos uma pressão (800Pa) logo acima do necessário para a existência do estado líquido durante a transição. Se chutarmos uma relação linear, a temperatura de transição aos 800Pa deveria ser uns (273K/610Pa)*800Pa=358K. Quer dizer que estava frio o suficiente lá pra água estar sólida. O mesmo modelo chutado dá pro CO2 a temperatura de transição em (216K/517kPa)*800Pa=0.3K, bem baixinha.
(Claro que esse chute linear é pra lá de ruim. A temperatura de transição da água aos 100kPa é, como todos sabem bem, apenas uns 373K, e não (273K/610Pa)*100kPa=45kK. Mas acho que os valores reais não vai ser muito diferentes.)
Chegamos então à conclusão que nestas condições, é bem rasoável acreditar que não haja nenhum resquício de CO2 no estado sólido, mas que seria bem rasoável encontrar água neste estado. Deve ser então água mesmo. E toda aquela discussão de ter que diferencias CO2 de água não fa zo menor sentido, porque é pra lá de difícil achar CO2 sólido naquelas condições ali. Acredito até que fazia parte do plano, tanto que mandaram a sonda pra chegar lá justamente no verão, pra não ter CO2 congelado. Porque não ouvi falar isso, porque fizeram todo aquele suspense inicial?...
Uma consideração final que devemos fazer é sobre o derretimento. A temperatura máxima lá foi 241K (-32C), bem abaixo dos 358K (85C) que chutamos. Imagino entretanto que a radiação solar ali em cima seja bem mais intensa do que a que estamos acostumados aqui na Terra, justamente por causa da atmosfera fraquinha de Marte. Talvez a radiação direta tenha sido capaz de elevar a temperatura das pedrinhas o suficiente, mesmo com a atmosfera estando fria o bastante.
O resumo então é o seguinte: em pleno verão, é bastante difícil achar CO2 congelado no pólo norte de Marte. Já no caso da água é mais fácil, o que é indicado pela pressão do ponto tríplice dela, que é bem mais baixa (610Pa vs 517000Pa). A temperatura lá está baixa o suficiente para congelar a água, mas não o CO2. Só que a radiação solar é tão intensa, devido à atmosfera frquienha e ainda ao verão, que deve estar sendo capaz de derreter pedirnhas de gelo expostas diretamente a ela.
Se eu animar, tento estudar como seria essa relação entre o gelo, o chão, a atmosfera e a radiação, pra entendermos melhor a possibilidade de haver gelo no solo, mas dele evaporar na superfície... Não podemos dizer que seja algo comum na Terra.
2008/06/21
Sublimes seixos insólitos
Marcadores:
ciência no dia-a-dia,
espaço,
espírito científico,
exploração espacial
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment